Terça-feira, 16 de abril de 2024



Impeachment de Dilma Rousseff é melhor do que “deixá-la” terminar o seu mandato?

O PT de Lula da Silva e Dilma Rousseff montou uma estrutura corrupta para mantê-lo no poder por longo tempo. As elites políticas foram corrompidas para não questionarem a força petista no plano nacional. Mas o próprio PT se corrompeu. E a presidente da República?

Dilma Rousseff, presidente da República (na  foto com Lula e Fernando Collor): não há prova cabal  de que a petista seja corrupta e que tenha se beneficiado de maneira direta do esquema da Petrobrás | Foto: Marcos Dantas

Retirante nordestino, líder sindical em plena ditadura, fundador do PT — ao criá-lo, fez aquilo que o regime civil-militar não conseguiu: matou Leonel Brizola em termos políticos —, cinco vezes candidato à Presidência da República, vitorioso duas vezes e principal responsável pela eleição e reeleição da presidente Dilma Rousseff. A tendência é que Luiz Inácio Lula da Silva ganhe um lugar de relevo na história pelo menos por dois motivos.

Primeiro, pelo fato de ter sido o primeiro operário (mais sindicalista) a ter chegado a presidente do Brasil. Segundo, os programas sociais — criando ou não currais eleitorais — produziram a tese, cada vez mais cristalizada, de que, se as desigualdades não acabaram, diminuíram ou ao menos foram enfrentadas. O celebrado economista francês Thomas Piketty, autor do best seller mundial “O Capital no Século XXI”, elogiou a governança petista neste aspecto.

Há, porém, aspectos negativos na trajetória de Lula. Primeiro, não é um político de matiz institucional. Lembra, nesse sentido, políticos da velha guarda. Deixa a impressão de que tudo pode ser “arranjado” com o velho “jeitinho”. Sérgio Buarque de Holanda era do PT, um de seus fundadores, mas “O homem cordial”, ensaio que faz parte de “Raízes do Brasil”, parece ser uma biografia negativa de Lula.

Em suma, o petista-chefe parece avaliar que é possível escapar das regras institucionais. Segundo, ao examinar a principal razão da queda do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, intuiu, ao lado de José Dirceu — que pensava sucedê-lo —, que estava conectada à falta ou perda de apoio político. Noutras palavras, Collor caiu não devido à corrupção, e sim ao enfrentamento com as elites políticas e econômicas do país.

O que fazer? O ideal — o correto — era seguir as regras, respeitando a diversidade das instituições. Mas Lula e seu séquito, com José Dirceu na linha de frente — porque sempre foi o principal operador do PT, acima de Lula —, optaram pelos caminhos mais fáceis. O petismo abriu negociações com as elites estaduais — os velhos coronéis “beberam o vermelho” do PT — num pacto faustiano.

As elites ficam com o poder nos Estados — na maioria deles — e o PT fica com o poder central, a Presidência, onde estão concentrados os principais recursos financeiros do país. Para­lelamente, Lula e José Dirceu — há uma tendência de salvar a “barra” do primeiro, sacrificando o segundo, o de linha de frente — articularam a montagem de uma base parlamentar ampla o suficiente para garantir a governabilidade. Porém, no lugar da persuasão política, do convencimento democrático, o petismo decidiu “comprar” apoio dos parlamentares “aliados”.

O mensalão, criação coletiva do PT com seus “aliados” (comprar “aliados” é sempre surpreendente), garantiu o que se convencionou chamar de “governabilidade”. Mas, descoberto, resultou numa ação julgada no Supremo Tribunal Federal e na prisão dos principais mensaleiros — José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, do PT, e Valdemar Costa Neto, do PR. Teoricamente, os petistas estavam desviando dinheiro público, em parceria com líderes políticos de outros partidos, para bancar a governabilidade.

Era lícito? Não. Era criminoso. Mas parecia lícito: não se estava “roubando” dinheiro público para fins privados, e sim para manter o PT no poder. Embora nem isto seja lícito, admitia-se nos bastidores, não se retirava dinheiro para enriquecimento pessoal. Porém, como notou o filósofo italiano Norberto Bobbio, os meios eventualmente corrompem os fins e o mensalão contribuiu, sim, para o enriquecimento de certos políticos, inclusive do PT.

Apesar da condenação do mensaleiros, com a prisão de líderes como José Dirceu e José Genoino alcançando repercussão internacional, o petismo e aliados do PP e do PMDB inventaram, para substituir o estancamento do mensalão, o chamado petrolão. Políticos de três ou mais partidos decidiram saquear a maior empresa pública do país e uma das maiores do mundo. Fala-se em desvio da ordem de 4 bilhões de reais — o que é espantoso. Como as pessoas dizem nas ruas, com o senso comum apurado, o petismo e aliados “passaram dos limites”.

Petistas não falam com clareza sobre o petrolão, preferindo o silêncio ou então atacar o PSDB — o problema não seria “novo”. A tese é simples: se roubavam antes, por que não continuar roubando? É um argumento, ainda que não dos melhores; é dos piores. Mas obviamente não é formulado assim. O que o petismo tende a sugerir é que a corrupção na Petrobrás tem “pernas” próprias e, se é sistêmica, não é uma invenção dos governos de Lula e Dilma Rousseff.

A corrupção da Petrobrás pode até não ser uma invenção dos petistas de Lula e Dilma Rousseff, pode ser anterior aos dois, mas é fato que, nos governos deles, houve uma aceleração dos desvios financeiros. Se era contra, no lugar de esbaldar-se, o petismo deveria ter denunciado, combatido e abortado o processo de sangria dos recursos da Petrobrás.

Outra tese que cai por terra tem a ver com o enriquecimento pessoal. Tudo indica, e os fatos ainda estão sendo investigados, que alguns petistas locupletaram-se na Petrobrás. O Ministério Público descobriu, inclusive, que financiamento de campanha era uma das formas de se lavar parte das propinas. PT, PMDB e PP ficaram mais fortes, política e eleitoralmente, com o assalto visceral aos cofres da Petrobrás, por intermédio de negócios com algumas das maiores empreiteiras do país. Mas pessoas físicas, de alguns partidos, ganharam muito dinheiro e chegaram a levar fortunas para fora do país.

Lula não sabia de nada? Dilma Rousseff não sabia de nada? É possível que, em termos fi­nanceiros, os dois sejam de fato honestos. É bem possível que a presidente saiba menos do que ocorria na Petrobrás do que o ex-presidente. O que todos sabem é que um presidente da República é muito bem informado sobre o que ocorre abertamente ou nos bastidores do governo. Tudo — ou quase tudo —, se o mandatário quiser, chega ao Palácio do Planalto, e mastigadinho. Não saber (ou mesmo saber) não significa, porém, o mesmo que estar envolvido.

Grave mesmo é saber e não fazer nada. Lula se tornou um político tradicional, adepto em tempo integral da realpolitik — tanto que o vice-presidente da República, Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e os senadores Romero Jucá e Valdir Raupp preferem conversar com ele do que com a presidente Dilma Rousseff. Lula se tornou um integrante do establishment conservador do país (o que não significa que deixou de ser esquerda, como alguns, erroneamente, acreditam) e, para manter o poder, parece aceitar as regras de quaisquer jogos.

Porém, apesar disso, permanece mais admirado do que Dilma Rousseff, que, numa de­se­legância brutal, revelando um ressentimento que impressiona até os acostumados a embates san­guinários, muitos chamam, sobretudo nas redes sociais, de “vaca”, de “aquela Dilma” ou de “Dil­mão”. (Sociólogos, psicólogos e psiquiatras de­veriam publicar ensaios sobre o massacre dos que são considerados feios. No momento, os feios, mais do que ne­gros e homossexuais, são os mais e­xecrados nas redes sociais. Negros e homossexuais se de­fendem, a lei pode ampará-los, mas os feios, mes­mo nos tempos da hegemonia do politi­ca­mente correto, são execrados. O que se faz com Graça Foster, Nestor Cerveró e com a presidente Dilma Rousseff fere as regras mínimas de civilidade.)

Dilma Rousseff é, ao contrário de Lula, uma política mais institucional, que parece seguir as regras legais. Embora tenha de se envolver com os políticos tradicionais, como Temer, Calheiros, Edison Lobão e Jucá, tanto devido às eleições quanto à governabilidade, não parece entusiasmar-se com sua proximidade. Fica-se com a impressão de que gostaria de governar sem eles. Entretanto, como sabe que não é possível e não tem estômago para lidar com o realismo absoluto “dos políticos”, volta e meia precisa convocar Lula para o que chamam de “negociação”.

O PMDB, com seu poderio no Senado e na Câmara dos Deputados, trava o governo de Dilma Rousseff, que os políticos profissionais avaliam como “fraca”, aí Lula é convocado para “remendar” os buracos deixados pela falta de articulação. Aloizio Mercadante pode ser derrubado por Lula — está perdendo parte da coordenação política do governo — porque não consegue “negociar” com o PMDB.

Sem o mensalão e sem o petrolão, porém com vidas caras, muitos políticos voltam os olhos para a administração direta — daí a pressão sobre Dilma Rousseff. Esta, embora crítica do irrealismo de Marina Silva, tem certo parentesco com a líder do quase partido Rede Susten­tabilidade. Quer ganhar eleição, com campanhas e aliados dispendiosos, mas, talvez para não se conspurcar diretamente, evita o contato com aqueles que “pedem demais” — sobretudo peemedebistas.

Fala-se em impeachment de Dilma Rousseff. É possível? É, porque, como dizem até juristas consagrados, como Ives Gandra Martins, a decisão que gera um impedimento presidencial é mais política do que técnico-jurídica. Porém, mesmo com as pessoas nas ruas, criticando com a dureza necessária o processo de corrupção acelerado pelo PT, o impeachment dificilmente sairá. Primeiro, porque o tucanato e o peemedebismo não querem (se Dilma Rousseff cair, leva junto os peemedebistas de proa).

Temem uma crise política catastrófica que colabore para afundar, ainda mais, a economia do país. Segundo, porque até agora, ainda que se fale em corrupção moral — que atinge quase todo o PT —, não há nenhuma informação que prove corrupção pessoal da presidente da República ou que ela tenha patrocinado, por meio de outras pessoas, qualquer desvio de dinheiro público.

O melhor mesmo, daqui para frente, é a sociedade ficar atenta e pressionar o governo e instituições — de maneira democrática (como a ida às ruas) — para que batalhem para extinguir (ou diminuir — é mais realista) os processos de corrupção sistêmica no setor público. Impeachment, se aprovado pelo Congresso Nacional, evidentemente não é golpe. Mas o melhor caminho, ao menos no momento, é permitir que a presidente Dilma Rousseff conclua o seu governo e que o petrolão seja investigado e seus agentes penalizados pela Justiça.

A democracia funciona via instituições — o Judiciário, no conjunto, tem se revelado de uma seriedade exemplar — e pelas manifestações das pessoas nas ruas (e na imprensa e redes sociais), de maneira civilizada, ainda que crítica e barulhenta. Prova-se que o Brasil está vivo e, sobretudo, é democrático. Quem teme as ruas logo estará temendo as urnas.

 


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