Agronegócio de olho nos custos e no clima

O cenário antecipado por especialistas e consultores leva em conta a reedição de gargalos logísticos em função da maior indefinição na venda da safra, a volta do El Niño e, no front externo, o desenho de uma “nova realidade geopolítica”, com tendência a certo protecionismo entre os países — que o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho, prefere qualificar como “precaucionismo”.

Em períodos de crise, ainda que as expectativas mais negativas em relação às principais economias globais não tenham se confirmado, “os países passam a defender seus mercados e mesmo iniciativas que buscam a descarbonização acabam sendo utilizadas com objetivos protecionistas”, registra Carvalho. Ele espera que o país assuma uma posição “pró-ativa” para responder àquelas pressões, mas acredita que a dificuldade dos países europeus de gerar excedentes de alimentos e a eventualidade de pressões altistas de preços nessa área tenderão a desencadear, mais adiante, a revisão de regras que buscam dificultar o acesso àqueles mercados.

De toda forma, o agronegócio brasileiro terá que correr contra o relógio para se adequar às novas diretrizes aprovadas recentemente pela União Europeia, proibindo a entrada na região, entre outros produtos, de café, cacau, soja e seus derivados, madeira e seus produtos, gado bovino e carnes provenientes de áreas desmatadas, legal ou ilegalmente, a partir de 31 de dezembro de 2020. Em vigor desde 29 de junho, a diretriz será implantada em 18 meses.

“O ano de 2024 será decisivo em relação à lei europeia antidesmatamento. As empresas terão apenas o ano safra 2023/24 para fazer toda preparação e comprovar que segregam produtos daqueles com origem em áreas desmatadas”, afirma André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), lembrando que a Europa é o destino de mais da metade das exportações brasileiras de farelo de soja.

No front doméstico, o novo plano agropecuário passou a contemplar critérios mais amplos de sustentabilidade e trouxe como novidade o retorno da política de formação de estoques reguladores, o que deve favorecer especialmente a agricultura familiar. A despeito dos avanços, a contribuição do agronegócio para a formação do Produto Interno Bruto (PIB), embora ainda positiva, tende a perder intensidade, avalia André Pessoa, CEO da Agroconsult, que antecipa dois anos de “margens bem apertadas” no setor de grãos. A desaceleração, antevê ele, terá efeitos sobre os preços da terra e custos de arrendamento, assim como sobre as vendas de máquinas agrícolas e o nível de emprego, que “tendem a avançar em velocidade menor”.

Nas últimas cinco safras, a área destinada ao plantio de soja cresceu, em média, por ano em torno de 1,80 milhão de hectares e 1,10 milhão de hectares para o milho. Esse avanço deverá ficar limitado, em suas projeções, a algo próximo a 1 milhão de hectares para a soja, aproximando-se de 45 milhões de hectares no plantio que se inicia em setembro. A de milho cresceria menos de 500 mil hectares, chegando a 22,6 milhões de hectares. Em ambas as culturas, Pessoa não descarta a possibilidade de nova desaceleração no ciclo 2024/25.

Na métrica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, o PIB do agronegócio havia apresentado variação modesta de 0,19% no primeiro trimestre deste ano, ante igual período de 2022, sob o conceito de renda. Mas com elevação de 5,98% em volume, quando avaliado pela metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), empurrado pela safra recorde, próxima a 317,6 milhões de toneladas, e pela colheita da soja, estimada em 154,6 milhões de toneladas.

Os números históricos da produção, diz Guilherme Reis, assessor técnico da CNA, vieram acompanhados de custos muito elevados e preços mais baixos do que no ciclo anterior. Adubos, defensivos, sementes e demais insumos subiram a níveis igualmente recordes, rebaixando a relação de troca para seu registro mais baixo em pelo menos uma década, acrescenta Pessoa. Para Reis, os impactos da alta de custos no valor bruto da produção não são visíveis, porque o volume colhido foi recorde. A CNA prevê variação real de 0,8% para a renda bruta no campo, saindo de R$ 1,279 trilhão para R$ 1,289 trilhão. “A soja, por exemplo, sofreu baixa de 16,5% nos preços, em termos reais, mas o volume aumentou 24%, resultando em mais 3,4% do valor bruto.”

Segundo a Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), a compra de uma tonelada de fertilizante no plantio da safra 2022/23 exigiu investimento correspondente a 40,3 sacas de arroz, um salto de 84,9% ante a safra anterior. Os produtores de milho e soja tiveram que gastar, respectivamente, em torno de 63,8 e 28,5 sacas, com altas de 56,8% e de 70,7%. Os números do Itaú BBA, diz Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do banco, registram alta de 55,2% no custo agrícola da soja no sudeste do Mato Grosso entre os ciclos 2021/22 e 2022/23, saindo de R$ 3.111 para R$ 4.827 por hectare.

Os produtores que demoraram para fechar a venda da safra, observam Pessoa e Queiroz, enfrentaram maiores dificuldades, porque os preços baixaram a partir da segunda metade de 2022. Atualizado com base no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Produtor de Grupos de Produtos Agropecuários-Grãos (IPPA-Grãos), do Cepea, registrou recuo de 12% em termos reais entre fevereiro de 2022 e janeiro deste ano, caindo mais 21,6% até maio, acumulando perda de 26% em 12 meses.

Em janeiro de 2022, conforme Pessoa, os produtores haviam vendido antecipadamente entre 60% e 70% da soja a ser colhida naquele ano. A relação em igual mês deste ano não chegava a 50%. “A corda esticou para quem não havia antecipado a venda da produção, gerando preocupação com a logística de armazenagem e distribuição num cenário de preços pressionados para baixo em Chicago, prêmios negativos na exportação e dólar em queda”, afirma César Castro Alves, especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA.

O ritmo mais lento das vendas de insumos surge como outra preocupação, porque a necessidade de abastecer um número elevado de produtores numa janela de tempo reduzida poderá gerar transtornos logísticos e, no limite, até atrasar o plantio da safra 2023/24. A carteira de pedidos no setor de defensivos registrava 50% das vendas esperadas para o ano, diante de 90% na mesma época de 2022, enquanto a indústria de fertilizantes havia realizado 65% das vendas esperadas, diante dos 80% normalmente registrados, diz Pessoa.

O clima, com a chegada do El Niño, acrescenta Felipe Reis, analista de safra da EarthDaily Analytics, trará temperaturas acima das médias e chuvas mais intensas entre o fim deste ano e começo de 2024 para o Centro-Sul, mas menor precipitação na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). “Será um ano mais desafiador e devemos prestar atenção à intensidade do El Niño, que deve vir mais forte.”

Segundo Queiroz, estima-se uma redução em torno de 59% para a margem de rentabilidade da soja no sudeste mato-grossense, responsável por um quinto da produção do grão no Estado, baixando de R$ 6.282 para R$ 2.575 por hectare entre as safras de 2021/22 e 2022/23. Na média, o analista trabalha com a perspectiva de uma redução de 10,6% nos custos da soja na safra 2023/24, para R$ 4.317 — ainda assim, quase 39% mais elevados do que há duas safras. A ser confirmada, acredita ele, a suspensão do acordo que permitia à Ucrânia escoar sua produção pelos portos do Mar Negro, anunciada pela Rússia, teria efeito limitado sobre os preços internacionais, embora possa vir a favorecer as exportações brasileiras de milho para a china, destino principal do grão ucraniano.

Com os preços da saca baixando 8,7%, de R$ 126 para R$ 115, e a produtividade mantendo-se em 59 sacas por hectare, a margem recuaria mais um pouco no ciclo 2023/24, batendo em R$ 2.459, num retrocesso de 60,9% em duas safras.

A equação financeira começa a se complicar, diz Pessoa. Nos últimos ciclos, o fluxo de caixa para o plantio seguinte era em parte bancado pelo resultado da safra anterior. Daqui em diante, o produtor terá que ir ao mercado para levantar recursos e financiar o plantio, num cenário de custo de capital elevado e queda nos preços da terra, “principal garantia de funding no crédito”. Na sua visão, o problema pode se tornar mais nítido no ciclo 2024/25, diante da possibilidade de os bancos passarem a exigir reforço de garantias.

Nos últimos três ou quatro anos, diante de margens para lá de folgadas, muitos produtores chegaram a antecipar o pagamento de financiamentos agrícolas, que em geral vencem em 30 de abril, com desconto nas taxas de juros. “Neste ano, registramos produtores pedindo para postergar o acerto para 30 de setembro, situação que pode se tornar mais crítica em 30 de abril de 2024”, afirma Pessoa. A inadimplência no crédito rural avançou levemente, saindo de 27% para 27,4% entre 2022 e este ano, diz Elias Marques de Medeiros Neto, sócio de resolução de disputas da TozziniFreire Advogados, com dados da Serasa Experian. “Mas o setor não pode fechar os olhos para a demanda crescente por boas práticas ambientais, de produção e de obediência à legislação trabalhista, considerando o cenário de terceirização e mesmo quarteirização da mão de obra.”

Para Medeiros Neto, “há uma forte necessidade de toda a cadeia de produção mapear integralmente sua operação, adotar sistemas de controle e rastreabilidade dos produtos”, complementa. O novo plano safra, diz ele, reforça a atenção com a questão ambiental ao contemplar desconto de meio ponto percentual nos juros que incidem sobre o crédito destinado a práticas sustentáveis, à produção orgânica, ao reaproveitamento de resíduos da agropecuária, ao uso de energia renovável, beneficiando principalmente as mulheres no campo.

Nassar, da Abiove, antecipa um cenário positivo para a indústria em 2024, quando o teor da mistura de biodiesel no diesel será elevado dos 12% em vigor desde abril último para 13%. Isso demandará mais 500 mil toneladas de óleo bruto de soja, exigindo o processamento adicional de 2,5 milhões de toneladas do grão. A melhoria nas margens do setor industrial, o incremento mais recente das exportações de farelo e óleo de soja e o avanço do biodiesel, registra Nassar, levaram a uma retomada dos investimentos, o que acelerou o processamento do grão. Depois de avançar 11,3% entre 2010 e 2016, o volume de soja processado pela indústria experimentou alta de 28,8% na comparação entre 2022 e 2016, saindo de 39,53 milhões para 50,93 milhões de toneladas.

Os resultados das usinas sucroenergéticas têm registrado melhoras desde a safra 2021/22, especialmente no caso daquelas unidades que produzem açúcar e etanol, nota Annelise Izumi, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA. “As incertezas são maiores em relação àquelas que processam apenas etanol”, acrescenta, já que o mercado de açúcar tem oferecido melhores oportunidades. Com moagem estimada em 651,5 milhões de toneladas na safra 2023/24, num incremento de 6,9% em relação ao ciclo anterior, a produção total de etanol deve avançar 8,3%, para 33,8 bilhões de litros, alta de 7% na produção de açúcar, aproximando-se de 39,7 milhões de toneladas. “Os preços vieram bem favoráveis, principalmente para o açúcar, e o setor foi favorecido ainda pela queda do diesel.”

Este ano deve representar o “fundo do poço” do ciclo de oferta elevada e preços mais baixos para o boi, afirma Maurício Palma Nogueira, sócio da Athenagro. Na média, os preços da arroba baixaram 15,6% em relação a 2022, superando a estimativa de perda ao redor de 8%. Olhando à frente, César Castro Alves, do Itaú BBA, aposta numa “recuperação bem comedida” dos preços no fim deste ano. “O produtor deve fechar a conta e esperar uma virada em 2024, com preços relativamente melhores”, sinaliza.

Para o fechamento do ano, Nogueira estima uma redução entre 2% e 3% em relação aos preços médios da arroba em 2022, considerando a possibilidade de alguma perda nas vendas externas de carne bovina e a tendência de queda nos preços internacionais, que baixaram 16,9% no acumulado até maio. A reação esperada para os preços em 2024, acrescenta ele, tende a ser nominal, mas relevante por ocorrer num momento de custos de ração menos pressionados.

Fonte: Agência UDOP de Notícias


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