“Davi tenta enganar o povo do Amapá com fraude eleitoral”

Para Joaquim Cabral da Costa Neto, procurador eleitoral do Ministério Público Eleitoral no Estado do Pará, essa frase dita como título dessa matéria é possível e não caracteriza difamação e injúria. O parecer é do dia 15/12/2020 e está disponível no site do MPF, sediado em Brasília. “Trata-se dos autos de número0600412-82.2020.6.03.0002, tendo como recorrente José Samuel Alcolumbre Tobelem e recorrido: Quality do Brasil Indústria LTDA. EMENTA: ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. DIREITO DE RESPOSTA. PRIMEIRO TURNO. PERDA DE OBJETO. PREJUDICIALIDADE. NÃO CONFIGURADO. PUBLICAÇÃO OFENSIVA. INJURIA E DIFAMAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. – Parecer pelo conhecimento e parcial provimento do recurso eleitoral, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de direito de resposta. E. Tribunal Regional Eleitoral, Trata-se de recurso eleitoral interposto por José Samuel Alcolumbre Tobelem e Coligação Macapá em Primeiro Lugar (DEM – 25 / AVANTE – 70 / PSDB – 45 / PL – 22 / PP – 11 / PSC – 20 / SOLIDARIEDADE – 77 / PSD – 55 / REPUBLICANOS – 10 / PV – 43 / PDT – 12 / PROS – 90), contra a sentença (Id. 3248406) proferida pelo Juízo da 2ª Zona Eleitoral, que julgou extinto o processo sem resolução de mérito em razão de perda superveniente de objeto. Página 1 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ Em síntese, os recorrentes pleiteiam a reforma da sentença proferida em primeiro grau, para ter assegurado direito de resposta contra publicações produzidas pela empresa Quality do Brasil Indústria Ltda., veículo de comunicação que atua no mercado sob o nome fantasia “Jornal A Gazeta”. O caso gira em torno das notícias abaixo transcritas, publicadas pelo recorrido em seu jornal impresso e em sua página na rede social Facebook: “Davi tenta enganar o povo do Amapá com fraude eleitoral Davi anunciou, junto com Bolsonaro, a isenção do pagamento da energia de novembro, mês em que o amapaense ficou 22 dias com apagão. Vale dizer que a isenção do pagamento pelo serviço não prestado já é direito garantido no Código de Defesa do Consumidor. A festa midiática do senador é mais uma tentativa para salvar a eleição fracassada do irmão” – CAPA “Apagão O candidato mais prejudicado na eleição, como um menino do “buchão”, foi se queixar para a madrinha para que providenciasse que não fosse mais chamado de candidato do apagão, não chamaremos mais de apagão, como a madrinha determinou, agora ele é o candidato vaga-lume, tem horas que apaga, tem horas que acende, mas vive mais apagado que aceso, a solução é o “mano” comprar um gerador para ele.” – folha 03 “Olho vivo Coincidência ou não, certo é que os empresários estão sendo pagos nas vésperas da eleição. Alguns empresários já estão inventando sintomas de covid-19 tentando fugir da extorsão de 30% do seu recebimento, tudo para ajudar “O Prejudicado”. MPF deveria limitar os saques bancários na quinta e sexta-feira, pois há uma programação de vários saques, dizem que vai para a BU.” – Folha 03 Na sentença (Id. 3248406), o Juízo Eleitoral considerou prejudicado o pedido de direito de resposta, sob o raciocínio que o início do segundo turno caracteriza o recomeço da disputa, no qual devem ser asseguradas condições isonômicas aos candidatos. Dessa forma, Página 2 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ julgou extinto o processo sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, em razão de perda superveniente do objeto. Contra essa decisão, os recorrentes interpuseram o presente recurso eleitoral (Id. 3248656), alegando que a magistrada não observou a legislação e jurisprudência pertinentes para o caso concreto. Sob estes fundamentos, pleiteiam a reforma da sentença, a fim de que seja julgado o mérito, e nele seja concedido o direito de resposta. Nesse estado, vieram os autos a esta Procuradoria Regional Eleitoral, para análise e parecer. É o necessário relatório. Inicialmente, verifica-se que o recurso atende aos pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal e tempestividade com preparo dispensado), devendo a irresignação ser conhecida. Quanto ao mérito recursal, assiste razão ao recorrente sobre a questão relativa à superveniente perda de objeto. Conforme se extrai da fundamentação da sentença, o juiz de primeira instância entendeu pela perda superveniente do objeto, aduzindo que, ao ser concedido direito de resposta a um candidato por fato ocorrido ainda no primeiro turno, seu adversário no segundo turno estaria sendo prejudicado, porque supostamente não estaria sendo observada as condições isonômicas entre os dois candidatos. Entretanto, não há qualquer óbice processual à apreciação do pedido de direito de resposta contra veículo de comunicação, em decorrência do início do segundo turno de um pleito, quando o requerente logrou êxito em prosseguir na disputa como um dos dois candidatos mais votados. Em verdade, o segundo turno não consiste em uma nova eleição, nem no reinício do processo eleitoral, mas sim em um prolongamento dele. De fato, a jurisprudência eleitoral é pacífica quanto à prejudicialidade do Página 3 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ direito de resposta quando, iniciado o segundo turno, o pedido tem por fundamento fato que fora divulgado no horário eleitoral gratuito de outro candidato, quando do primeiro turno das eleições1 . Não é, porém, o caso dos presentes autos. O direito de resposta formulado pelos recorrentes tem como causa de pedir a veiculação de notícias em mídia impressa e virtual, publicadas por veículo da imprensa. Desse modo, as circunstâncias do fato se distinguem da jurisprudência mencionada na sentença2 . Outrosssim, a permanência do interesse de agir resta patente, pois o candidato foi para o segundo turno e permanece na disputa eleitoral. Ademais, a sentença parte da premissa equivocada de que a concessão do direito de resposta acarretaria desiquilíbrio entre os dois candidatos do segundo turno. Tendo em vista que o direito de resposta tem por objetivo restaurar a honra objetiva de candidato que, em tese, foi injustamente agredida, há que se concluir que a concessão do pedido, ao contrário do que entendeu a sentença, restauraria o equilíbrio na dispusta. Desse modo, a sentença deve ser reformada. Embora a sentença não tenha enfrentado o mérito da ação, em razão da prejudicialidade da decisão pela perda superveniente do objeto, o Tribunal ad quem, após reformá-la nesta parte, pode, desde logo, passar ao julgamento do mérito do processo, em consonância com o princípio da primazia da resolução do mérito (art. 4º, CPC). Nos termos do art. 58 da Lei nº. 9.504/1997, “é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”. 1 REspe 5428-56/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, PSESS de 19.10.2010; AgR-REspe 1287-86/AL, Rel. Min. Cármen Lúcia, PSESS de 16.12.2010; AgR-REspe 5110-67/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 14.12.2011. 2 Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 14820 – presidente prudente/SP. Acórdão de 13/06/2013. Relator (a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA. Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 122, Data 1/7/2013, Página 39 Página 4 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ O direito de resposta, aliás, possui base constitucional, estando expressamente previsto no inciso V do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, como direito fundamental, sem prejuízo do previsto acima, no inciso IV, relativo ao direito à livre manifestação de pensamento. No seu mister de interpretar a Constituição, o Supremo Tribunal Federal vem assinalando que, apesar de não existir hierarquia entre direitos fundamentais, as liberdades públicas (expressão, informação e imprensa) possuem uma posição preferencial, sendo o afastamento de uma delas medidas excepcional, tendo em vista o seu papel fundamental para a democracia. Nesse sentido, a ADPF 130: A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. Na mesma linha, o magistério de Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco: É frequente que se diga que “a busca da verdade ganha maior fecundidade se levada a cabo por meio de um debate livre e desinibido”. A plenitude da formação da personalidade depende que se disponha de meios para conhecer a realidade e interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se posa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade humana. O argumento democrático acentua que “o governo postula um discurso político protegido das interferências do poder”. A liberdade de expressão é, então, enaltecida como instrumento Página 5 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ para posicionamento e preservação do sistema democrático (o pluralismo de opiniões é meio para a formação de vontade livre). Um outro argumento, que já foi formulado como político, formula-se dizendo que “a liberdade de criticar os governantes é um meio indispensável de controle de uma atividade [a política] que é tão interesseira e egoísta como a de qualquer outro agente social”. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015) A liberdade de expressão e de informação, contudo, não é um direito absoluto, e suas condições de exercício encontram-se previstas na própria Constituição da República. O direito de resposta, também assegurado em âmbito constitucional, se destaca como um importante meio de controlar eventuais excessos da imprensa, especialmente porque não envolve medidas estatais de cunho autoritário, como o pagamento de multas ou indenizações em valores excessivos, a exemplo do que por vezes se pretende com a representação por propaganda negativa. Consiste, esse direito, tão somente na obrigação do meio de comunicação em publicar o relato ou a versão dos fatos daquele que teve a sua imagem ou honra atingidos por publicação falsa. Nesta senda, os órgãos de proteção internacional de direitos humanos, em matéria de liberdade de expressão e de informação, vêm chamando atenção para a adoção de reparações não pecuniárias, a exemplo do direito de resposta: Em 2000, a Declaração Conjunta sobre Censura e Ataques a Jornalistas do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão das Nações Unidas (ONU), do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ainda do Representante da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação, considerou ser forma contemporânea de censura a ausência de punição a autores de assassinatos e outras agressões a jornalistas, que gera dramático efeito inibidor sobre os demais. Essa declaração conjunta enfatizou ainda que a legislação do Estado deve dar preferência a Página 6 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ reparações não pecuniárias (por exemplo, o direito de resposta) aptas a restaurar eventualmente o direito à honra e não servir como castigo ou desestímulo ao demandado. Apesar de sua natureza jurídica de soft law, a Declaração pode servir de orientação para a interpretação de normas internacionais vinculantes, como a Convenção Americana de Direitos Humanos. (RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015) Não estando presentes os pressupostos constantes do art. 58 da Lei nº. 9.504/1997 (calúnia, difamação, injúria ou informação sabidamente inverídica), a concessão do direito de resposta é incabível. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA. IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. DESPROVIMENTO. 1. O Agravante não apresentou argumentos capazes de conduzir à reforma da decisão agravada. 2. O exercício do direito de resposta, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, reconhecida prima facie ou que extravase o debate político–eleitoral, deve ser concedido excepcionalmente, tendo em vista a liberdade de expressão dos atores sociais envolvidos. Precedente. 2. Agravo Regimental não provido. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060010242, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25/11/2020) ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE RESPOSTA. ART. 58 DA LEI 95.504/1997. NÃO INCIDÊNCIA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO. Página 7 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ 1. Na dialética democrática, são comuns a potencialização das mazelas dos adversários, as críticas mais contundentes, as cobranças e questionamentos agudos. Tal situação encontra amparo na livre discussão, na ampla participação política e no princípio democrático, preceitos interligados à liberdade de expressão. A democracia representativa somente se fortalece em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões (ADI 4451, minha relatoria, DJe de 6/3/2019). 2. Agravo Regimental desprovido, prejudicado o pedido de efeito suspensivo. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060004827, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 12/11/2020) No caso, não se verifica nem afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa nem notícia sabidamente inverídica. Com efeito, a primeira das três notas apenas menciona o senador Davi Alcolumbre, que, apesar de irmão do candidato recorrente, não concorre como candidato nestas eleições municipais. O terceiro trecho, por sua vez, não menciona nenhum candidato em específico e limita-se a lançar uma suspeita genérica de que haveria compras de votos. A segunda nota – a única que se refere a Josiel Alcolumbre – traduz uma mera opinião do colunista sobre o candidato. Cabe destacar que, como decorrência do direito à liberdade de expressão, os partidos e candidatos do pleito eleitoral não podem esperar que os jornais e o público em geral somente apresentem publicações de seu agrado, devendo estar preparados para críticas, para a exposição, pois tudo isso é inerente ao debate político. Os textos publicados pelo recorrido, apesar do tom ácido, estão protegidos pela liberdade de imprensa, uma vez que não imputam crime a pessoa específica, não são injuriosos e não descrevem fato sabidamente inverídico, estando caracterizada, assim, mera crítica jornalística. Página 8 de 9 MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL NO ESTADO DO AMAPÁ Considerando todo o exposto, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se pelo conhecimento e parcial provimento do presente recurso eleitoral, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de direito de resposta. Macapá (AP), 15 de dezembro de 2020. Assinado eletronicamente JOAQUIM CABRAL DA COSTA NETO Procurador Regional Eleitoral”.
CONCLUSÃO
Aos jornalistas que estão sendo processados por terem ditas expressões menos chulas do que essa do título, devem juntar esse parecer nos autos e pedir a extinção do feito por se tratar de caso análogo, semelhante, igual, o que pode representar o resultado previsível, que é o arquivamento da ação, com reversão da situação, postulando o recebimento de indenização por dano moral e material, pela perda de dinheiro que levou em se defender da malfada acusação inverídica. Trata-se de pedido conhecido como contraposto, ou seja, o sujeito ativa acata e você, como sujeito que não é nada passivo, mas orgulhoso da profissão, se defende para viabilizar a condenação da parte autora a reparar os danos havidos com o ingresso da ação temerária. (Jornalista Ronan Almeida de Araújo).

 

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