Desembargador reforma decisão de juiz da comarca de Rolim de Moura que impedia família de viajar fora do Estado de Rondônia em razão da Covid-19

Raduan Miguel Filho, desembargador do TJ/RO e relator dos autos 0805245-72.2020.8.22.0000, em agravo de instrumento, relacionado à origem de número 7002844-81.2020.8.22.0010, da 1ª Vara Cível da Comarca de Rolim de Moura, decidiu, conceder efeito suspensivo à decisão agravada para autorizar a viagem de uma família que já tinha programação e compromissos fora do município. Na origem, a decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível de Rolim de Moura que, na ação em caráter antecedente ajuizada por L.M.P, deferiu a tutela para que se abstenha de viajar com os três filhos menores para fora de Rolim de Moura e do Estado de Rondônia, ao fundamento de estar comprovada a probabilidade do direito vez que o genitor, em razão do poder familiar, possui o dever de zelar pela saúde dos menores, bem como pelo Decreto do Estado de Rondônia n. 24.887, de 20/03/2020, que declara Estado de Calamidade Pública em todo território do estado para fins de prevenção e enfrentamento à pandemia causada pela Covid-19, estabelecendo, em seus artigos 2º e 3º, as medidas de isolamento e quarentena, entre outras.

Diz que o perigo de dano decorre da situação vivenciada em todo o mundo, de modo que o cidadão deve permanecer em sua residência, evitando ao máximo sair de casa e se atentando aos cuidados com a higiene pessoal, a fim de evitar a proliferação do vírus. Em suas razões recursais, a agravante aduz que está de licença médica, afastada por 90 dias das suas atividades laborais, em decorrência de transtornos psicológicos, acarretados pela relação tóxica e violenta que possuía com o agravado. Por tais fatos, buscou tratamento de saúde na cidade de Lages/SC, local que reside seus familiares, tendo planejado viajar com os filhos no dia 13/07/2020. Enfatiza que as crianças não terão prejuízos quanto ao aprendizado, porquanto as aulas na rede municipal não possuem previsão de retorno, e caso reiniciem, acontecerão por videoconferência, podendo, dessa forma, as crianças acompanharem as aulas. Além disso, já contratou professora particular para acompanhamento dos estudos, exatamente como vinha procedendo na cidade em que reside. Diz que tenta dialogar com o agravado, mas não obtém êxito, limitando-se este a exercer o direito de visitas. E, mesmo quando solicitou sua ajuda por motivo de sua patologia, este se nega, dizendo que apenas cumprirá a decisão judicial. Sustenta que as crianças não estão em grupo de risco, estão com perfeita saúde, e cuidará para que a viagem seja feita de forma segura. Discorre sobre o grave prejuízo a sua saúde e a suas finanças na hipótese de ser mantida a decisão agravada e pugna pelo deferimento da tutela de urgência para o fim de suspender a decisão agravada. Ao final, pelo provimento do recurso para que possa viajar com as crianças para fora do Estado.

O relator consignou na sua decisão monocrática o que segue: “Decido. Para a concessão de liminar em agravo de instrumento, a fim de conferir-lhe efeito suspensivo ou antecipação de tutela, mister se faz a demonstração da presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência, verificando-se o periculum in mora e o fumus boni juris. Convém elucidar que estamos vivenciando uma pandemia na Aldeia Global – COVID 19, conforme declarado pela Organização Mundial de Saúde – OMS, que afeta diretamente a população mundial em diversas situações, inclusive no que diz respeito às atividades empresariais e relações de consumo, que foram restritas por medidas de segurança e prevenção, notadamente para se evitar a disseminação do vírus e resguardar a vida, saúde e dignidade dos seres humanos. No âmbito estadual, como bem ressaltado pelo magistrado a quo, foi baixado o Decreto n. 24.887, de 20/03/2020, que declara Estado de Calamidade Pública para fins de prevenção e enfrentamento à pandemia causada pela Covid-19. Sem dúvida devemos estar atentos a todas as medidas de segurança a fim de evitarmos o contágio e a propagação da doença, mas não podemos deixar que o medo atrapalhe as relações familiares, mormente, quando devemos estar atento ao melhor interesse das crianças. Infere-se dos autos que a agravante detém a guarda dos três filhos menores, desde a separação do casal, e possui viagem marcada para o dia 13/07/2020 para a cidade de Lages/SC, local que dará continuidade a seu tratamento de saúde e estará próximo de seus familiares. Há nos autos provas de que a agravante tem apresentado sintomas consistentes com o Transtorno de Ansiedade Generalizada (CID-10,F41.1) tais como agitação ou sensação de nervosismo constante, estado de alerta frequente, cansaço fácil, dificuldade de concentração, tensão muscular, dores de cabeça frequentes e alterações do sono, sendo recomendando a continuidade do tratamento terapêutico, bem como o apoio familiar para o restabelecimento do equilíbrio mental e psicológico.

Desse modo, é evidente que a retirada dos filhos do seu convívio não é a medida mais acertada para o momento, mormente se considerarmos ser ela a guardiã, tendo o genitor se limitado a exercer o direito de visitas. Constata-se pelo que consta dos autos, que os litigantes não possuem convivência amistosa, sendo necessário medidas protetivas; segundo se apura, o diálogo não é estabelecido em razão da postura do agravado, tampouco se dispõe o agravado a ajudar com as crianças (seus filhos) quando solicitado, conforme se denota das conversas tidas por aplicativo (cópia nos autos). Ademais, inexistem provas de que as crianças em questão possuam problemas de saúde que as deixem mais vulneráveis ao serem expostos em uma viagem. Tampouco, constata-se haver prejuízos escolares com o deslocamento, vez eventual retorno das atividades escolares podem ser acompanhadas à distância. Sem contar, que a agravante já providenciou contato para aulas particulares. Aliás, temos tido notícias dos esforços que as empresas de transporte de passageiros, notadamente pelo meio aeroviário, têm empreendido para contribuir com a higienização dos seus ambientes e evitar o máximo possível o contágio com o tal vírus. Importante registrar que, sequer, haverá prejuízo ao agravado quanto ao direito de visitas, vez que em decorrência do período de pandemia, o próprio o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda que a visitação seja viabilizada, com estímulo as tecnologias de comunicação, a fim de possibilitar ao não guardião a manutenção dos laços afetivos. Registro por fim, que nesse contexto de crise epidemiológica, o isolamento é uma orientação extremamente necessária, porém não é obrigação, razão pela qual devemos sopesar as situações respeitando-se, sempre que possível, o regime de guarda e a comunicação. Devemos sim estar atentos para que os genitores não se utilizem de demandas judiciais para suprir desejos que estão além da relação familiar. Com tais considerações, em juízo de cognição sumária, verifico presente a probabilidade do direito invocado aliado ao perigo de dano que o ato judicial possa causar. Assim, concedo o efeito suspensivo à decisão agravada, estando a agravante autorizada a proceder a viagem, conforme sua programação. Comunique-se ao juiz de primeiro grau e após proceda-se a remessa ao relator originário. Intimem-se, com urgência”, concluiu o relator.

 

 

(Jornalista Ronan Almeida de Araújo – DRT/RO 431/98).


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