Gilberto Barbosa, desembargador do TJ/RO, absolve prefeito do Município de São Miguel do Guaporé

A decisão foi proferida no processo de número 7002767-07.2018.8.22.0022, da relatoria do desembargador Gilberto Barbosa, na ação de improbidade administrativa de iniciativa do Ministério Público de Rondônia, no feito julgado no dia 10/07/2020, em face de Cornélio Duarte de Carvalho, defendido pelo advogado Ronaldo da Mota Vaz, eleito vice-prefeito, às eleições ocorridas nesse município, no dia 15/11/2020. Segue a decisão do eminente desembargador do TJ/RO: “Cuida-se de apelo interposto pelo Ministério Público contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única de São Miguel do Guaporé que julgou improcedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Afirmando que há nos autos prova de atuar ímprobo, diz ser incontroverso o desvio funcional do servidor Edson Pereira dos Santos, pois, em que pese admitido para o cargo de auxiliar de serviços gerais, exerceu a função de motorista e, posteriormente, de vigia na Secretaria Municipal de Saúde. Dizendo que os apelados, à época prefeito e secretário municipal saúde de São Miguel do Guaporé, determinaram o desviado exercício das funções pelo servidor Edson, sustenta evidenciado o dolo genérico, suficiente para condenação pela prática de ato ímprobo, id. 8708765. Em contrarrazões, batem-se os apelados pela manutenção da sentença. Oficiou no feito o e. Procurador de Justiça Ivo Scherer, manifestando-se pelo não provimento do recurso, id. 8766502. É o relatório. Voto. Desembargador Gilberto Barbosa. Consta da inicial da ação civil pública que, entre 2017 e 2018, por determinação do então prefeito de São Miguel do Guaporé e do secretário de saúde, o servidor Edson Pereira dos Santos, auxiliar de serviços gerais, atuou, em desvio de função, nas atividades de motorista e vigilante em órgãos de saúde municipais. Pois bem. Em que pese a irresignação, não merece retoques a sentença, pois decidiu acertadamente o magistrado primeiro ao afastar a imputação feita pelo Ministério Público. Imperioso se ter em conta que o próprio estatuto dos servidores de São Miguel do Guaporé (Lei 1.562/2015), admite, no interesse da Administração Pública, que seja redistribuída a força de trabalho, observada a equivalência e grau de responsabilidade entre as funções. No caso dos autos, incontroverso que, para melhor adequação do serviço e considerando o reduzido quadro de pessoal, o servidor Edson foi, em funções análogas, lotado em diversos postos de trabalho. E, a despeito do apontado desvio de função, também é certo que houve efetivo trabalho, com manutenção dos vencimentos, vinculação dos graus de responsabilidade e nível escolar, além de atendimento exclusivo dos interesses da municipalidade. Nesse contexto, ainda que se queira censurar a deficiente a movimentação do servidor e a inépcia burocrática da administração local – realidade, convenha-se, recorrente em Municípios pequenos, como é o caso de São Miguel do Guaporé – é preciso que se tenha em conta que, para que se possa pensar em improbidade administrativa, faz-se indispensável prova de agir doloso, pois, ao contrário, haverá singela irregularidade administrativa não alcançada, pois, pela Lei 8.429/92. Esse, aliás, é o entendimento consagrado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: administrativo – responsabilidade de prefeito – contratação de pessoal sem concurso público – ausência de prejuízo. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido. (RESP nº 213994-MG 1999/0041561-2, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, 1999, DJ 27.09.1999 p. 59 – destaquei). Como cediço, a caracterização de atuar ímprobo há de ser fundamentada em fatos concretos que permitam concluir tenham sido praticados atos com o propósito de macular a lei e, consequentemente, a moralidade administrativa. Portanto, ao contrário do que pretende fazer crer o Ministério Público, por mais que se tenha rigor para interpretar o regramento trazido à colação, não se pode apontar prática de ato ímprobo na conduta de Cornélio e Miguel, mormente pela não comprovação de dolo ou culpa, elemento subjetivo indispensável para caracterizar conduta ímproba passível de reprimenda. Nesse contexto, não vislumbro, no atuar dos apelados, violação a princípios da Administração Pública, pois, revelam os autos ter a redesignação de atividades ocorrido para atender exclusivamente os interesses da administração pública local. Ademais, não há falar em dano ao erário, tampouco em enriquecimento ilícito, pois não se colhe dos autos elemento probatório, e nem o Parquet afirma, que não tenha o servidor trabalhado. Sendo assim, por mais que se queira olhar desconfiado para a redistribuição das atividades do servidor, não se consegue extrair da prova colhida elementos que autorizem, com a segurança necessária, vislumbrar atuar ímprobo. Sobre o tema, aliás, colhe-se da jurisprudência: apelação cível – administrativo – improbidade administrativa – prefeito municipal – servidor em desvio de função […] 3- Para a configuração da improbidade administrativa é necessária a presença do elemento subjetivo, qual seja, o dolo nas condutas tipificadas nos art. 9º e 11 ou, ao menos, culpa, quanto às condutas do art. 10 da Lei n. 8.429/92. Precedente. 4 – A alocação do servidor público em função diversa da prevista nas atribuições do seu cargo, por ausência de pessoal necessário à execução dos serviços públicos municipais, não caracteriza ato de improbidade administrativa, especialmente em função da efetiva prestação de serviço (TJMG – AC nº 1.0471.08.093893-2/001, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Henrique Perpétuo Braga, j. 29.08.2019). Anote-se, pela vistosa pertinência, que a caracterização de atuar ímprobo há de ser fundamentada em fatos concretos que permitam concluir tenham sido praticados atos com o propósito de macular a lei e, consequentemente, a moralidade administrativa. Firme nessas considerações, sem maiores lucubrações, nego provimento ao apelo ministerial. É como voto. Ementa. Recurso de apelação. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Redistribuição. Autorização legal. Desvio de função. Ausência de dolo. Não comprovação de prejuízo ao erário, ou enriquecimento ilícito. 1. Não caracteriza atuar ímprobo a redistribuição de servidor público realizada nos contornos da legislação local. 2. A readequação da força de trabalho, ainda que não observada a burocracia formal, não caracteriza, por si só, ato ímprobo, mormente quando inexiste elemento probatório a indicar dano ao erário. 3. A caracterização de atuar ímprobo há de ser fundamentada em fatos concretos que permitam concluir tenham sido praticados atos com o propósito de macular a lei e, consequentemente, a moralidade administrativa. 4. Não obstante a importância da Lei 8.429/92 para a defesa da moralidade administrativa, sua aplicação há de ser feita com cautela, de modo a impedir que sejam aplicadas suas pesadas sanções em face de erros toleráveis que não se apresentem como desvio ético ou imoralidade. 5. Apelo não provido. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, recurso não provido, a unanimidade”.

Por: Ronan Almeida


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