No último dia 06/06/2020, Grace Anny de Souza Monteiro, juíza federal em substituta da 1ª Vara de Porto Velho, extinguiu o feito de número 1005340-58.2020.4.01.4100, da ação tutela cautelar antecedente, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de Rondônia em face Estado de Rondônia, que disponibilização de informações e documentos que comprovem a exequibilidade do Plano de Contingência Estadual para medidas de prevenção e controle da infecção humana pelo coronavírus.
Na inicial, a entidade de classe dos advogados rondonienses, em síntese, alega que: a) é fato público e notório que o mundo está passando por grave e delicada situação de pandemia, causada pelo que se denominou “COVID-19”, sigla para “Corona Vírus Disease 2019”; b) referido vírus é dotado de extraordinária propagação e contágio na população humana, acarretando sintomas capazes de gerar óbito, notadamente nas pessoas incluídas no chamado “grupo de risco”; c) o serviço de saúde prestado pelos entes federativos não tem deixado a população devidamente assistida acerca das informações e medidas adotadas quanto aos equipamentos disponíveis, além das estratégias adotadas para combate ao vírus; d) é crucial tal interlocução entre sociedade e governo, com vistas a identificar os casos confirmados, estabelecer as medidas adequadas de tratamento e prevenção de contágio, bem como minorar os efeitos deletérios da pandemia; e)
O Plano de Contingência do Estado de Rondônia para Medidas de Prevenção e Controle da Infecção Humana pelo Coronavírus (SARS-CoV-2) versão III (última editada) não detalha a estratégia e os instrumentos capazes de dar vazão à projeção de propagação aguardada, mormente considerando as recentes medidas veiculadas no Decreto Estadual nº 24.979, de 26 de abril de 2020, que relaxou as medidas de isolamento social e contenção de circulação de pessoas e coisas; f) não resta claro como o Estado de Rondônia irá enfrentar o eventual aumento do número de casos de infectados, à luz do que efetivamente dispõe em termos de equipamentos médico-hospitalares e profissionais da saúde; g) torna-se imperioso que o Estado de Rondônia seja compelido a apresentar em juízo documentos e informações que atestem sua capacidade de lidar com a propagação do vírus, à luz das medidas veiculadas no Decreto Estadual n° 24.979/2020, que libera o exercício de inúmeras atividades, o que, em tese, contribui para a disseminação da doença; h) torna-se imperiosa a exibição do que foi planejado e está sendo executado pelo Estado em conjunto com os municípios; i) as informações publicadas são insuficientes para garantir à população orientação clara, objetiva e específica acerca das medidas a serem adotadas, mormente diante dos possíveis agravamentos dos casos de acometimento viral pela população; j) a Portaria Conjunta nº 01, de 25/03/2020, publicada no Diário Oficial do Estado de Rondônia, instaurou o Sistema de Comando de Incidentes – Sala de Situação Integrada (SCI) sem que em sua composição constem representantes dos municípios, ou seja, sem ouvir e levar em consideração a realidade de cada um dos mais de 50 (cinquenta) municípios de Rondônia; l) o cenário tem potencial para causar o colapso dos recursos de saúde disponíveis, considerando sua escassez e limitação, o que equivale a compactuar com a perda de inúmeras vidas e um impacto socioeconômico inimaginável e m) nesse contexto, deve o Estado de Rondônia esclarecer todas as questões que o caso requer.
Requereu, em sede de liminar, que o Estado de Rondônia apresente: i) detalhamento da estratégia e dos instrumentos capazes de possibilitar a execução do Plano de Contingência em vigor, mirando inclusive a projeção de propagação aguardada, mormente se se considerar as recentes medidas veiculadas no Decreto Estadual nº 24.979, de 26 de abril de 2020, que relaxou as medidas de isolamento social e contenção de circulação de pessoas e coisas. Mais especificamente, que o ente estatal seja compelido a apresentar documentos e informações que atestem sua capacidade de lidar com a propagação do vírus, à luz das medidas veiculadas em seu decreto, que, em tese, contribuem para a disseminação da doença, cujo vetor mais eficiente é o próprio ser-humano; ii) detalhadamente, as diretrizes planejadas e executadas em Rondônia, com envolvimento do Estado em conjunto com os Municípios, a exemplo da metodologia adotada, expectativa de evolução do quadro existente e medidas de emergência e contenção, de maneira a evitar pânico desarrazoado e atenuar a sensação de desorganização sentida pela sociedade atualmente.
iii) Indicar e comprovar: iii.1) se há previsão de contratação de pessoal (permanente ou temporário) e qual metodologia e estimativa; iii.2) qual a previsão de compras de insumos necessários para a rede estadual de atendimento hospitalar com vistas ao combate à pandemia; iii.3) qual a previsão de compra de EPI´s para os profissionais de saúde empenhados no enfrentamento e tratamento das pessoas; iii.4) quais as providências necessárias para atualização das informações nos sítios oficiais das secretarias e órgãos de saúde dos 03 (três) entes; iii.5) quantos testes foram adquiridos e qual critério de testagem vem sendo adotado, considerando que o número de casos testados e positivados influencia cabalmente a opinião pública e pode vir a mascarar um cenário não condizente com a realidade, de modo a tornar a população refratária às medidas penosas de isolamento social recomendadas pelos órgãos de saúde; iii.6) Se há implementação de mais unidades hospitalares ou hospitais de campanha para garantir vazão a expectativa de contaminação projetada; Intimada, a demandante juntou o comprovante das custas iniciais. Após, vieram-me os autos conclusos.
SENTENÇA TERMINATIVA
Ao apreciar a pretensão da OAB/RO, a magistrada de piso asseverou o que segue: “De início, consigno o cabimento do pedido de cautelar em caráter antecedente à propositura de ação civil pública. Com efeito, o Enunciado n° 503 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPCC, em relação ao qual me filio, dispõe que “o procedimento da tutela cautelar, requerida em caráter antecedente ou incidente, previsto no Código de Processo Civil, é compatível com o microssistema do processo coletivo”. Sobre o tema, a Desembargadora Elaine Harzheim Macedo, do TJ/RS, aduz que “a exemplo do processo individual, também o tempo e a mora processual podem ser responsáveis pela inefetividade da prestação jurisdicional devida no processo coletivo, justificando que o regime da tutela provisória, contemplado no Código de Processo Civil de 2015, seja aplicado, no que couber, à demanda coletiva, dialogando com a Lei da Ação Civil Pública, atual matriz processual do processo coletivo brasileiro. Tanto a tutela antecipada incidental como a tutela cautelar, antecedente ou incidental, guardam aderência ao processo da Lei n. 7.347/85 (…). [1] (Destaquei).
Desse modo, não vislumbro óbice ao instrumento processual ora utilizado. II – Da legitimidade da OAB. Adequado destacar, desde já, a legitimidade da OAB para propositura da futura ação civil pública. Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n° 1.423.825/CE, a Ordem dos Advogados do Brasil tem ampla legitimidade para propor ação civil pública, não estando sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, dada sua aptidão para atuar genericamente em prol de interesses supra individuais. Note-se: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. TEORIA DA ASSERÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DA OAB PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS CONSUMIDORES A TÍTULO COLETIVO. POSSIBILIDADE. 4. A Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelo Conselho Federal, seja pelos conselhos seccionais, possui legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública para a defesa dos consumidores a título coletivo. 5. Em razão de sua finalidade constitucional específica, da relevância dos bens jurídicos tutelados e do manifesto viés protetivo de interesse social, a legitimidade ativa da OAB não está sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, devendo lhe ser reconhecida aptidão genérica para atuar em prol desses interesses supraindividuais.
No entanto, “os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo art. 45, § 2º, da Lei n.8.906/84” (REsp 1351760/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26/11/2013, DJe 9/12/2013). 7. No presente caso, como o recurso de apelação da OAB não foi conhecido, os autos devem retornar ao Tribunal de origem para a reapreciação da causa, dando-se por superada a tese da ilegitimidade do autor. 8. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ, REsp 1423825/CE, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07.11.2017, DJe 18.12.2017). (Destaquei). O entendimento firmado no acórdão supra se aplica ao presente caso, pois os efeitos da decisão ficam adstritos aos limites geográficos do Estado de Rondônia. III – Da competência da Justiça Federal. No tocante à competência, o Plenário do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que compete à Justiça Federal processar e julgar as ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil figure como parte. Referida decisão se deu no julgamento do Recurso Extraordinário n° 595.332/PR, com repercussão geral reconhecida, sendo fixada tese nos seguintes termos: “Compete à Justiça Federal processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil, quer mediante o Conselho Federal, quer seccional, figure na relação processual”. (Plenário, 31.08.2016). Assim, a presença da OAB no polo ativo atrai a competência da Justiça Federal. IV.
Do cabimento da tutelar cautelar em caráter antecedente na espécie. O provimento antecipatório de urgência se sujeita à verificação conjunta dos seguintes requisitos: i) probabilidade do direito; ii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e iii) reversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300 do Código de Processo Civil). No que toca à tutela cautelar requerida em caráter antecedente, o art. 305 do CPC estabelece que “a petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Ao discorrer sobre a referida tutela, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma: “Por “lide e seu fundamento” entende-se a indicação do objeto da ação principal o que se exige em razão da instrumentalidade da ação cautelar. Cabe ao requerente, portanto, indicar do que tratará o futuro pedido principal, o que permitirá ao juiz analisar se a cautelar efetivamente cumpre a sua missão de acautelamento…”. [2]. No presente caso, observo que a medida cautelar, na forma perseguida, não encontra amparo legal. Conforme consta da petição inicial, “neste momento, trata-se de ação preparatória do que poderá vir a ser uma ação civil pública, a depender da satisfatoriedade dos dados, informações e comprovações apresentadas pelo Estado de Rondônia acerca da exequibilidade de seu Plano de Contingência”. No pedido final, alínea c, limita-se o requerente a requerer que “seja confirmada a medida, por decisão definitiva, resguardando à requerente a prerrogativa de propor ação principal, em sendo o caso, a depender dos documentos, informações e provas que forem apresentados pelo Estado demandado”.
Nota-se, portanto, o nítido caráter condicional conferido pelo postulante à futura ação coletiva, a depender da análise da documentação apresentada pelo Estado de Rondônia – evento futuro e incerto -, sistemática não acolhida pelo sistema processual civil pátrio. Com efeito, propor tutela cautelar de caráter antecedente com vistas à entrega de informações/documentos a fim de posteriormente avaliar a conveniência e oportunidade em ajuizar a ação principal não se coaduna com o escopo e regramento do instrumento processual em questão. De toda sorte, desde logo observa-se o caráter irreversível da medida pleiteada, visto que, uma vez apresentados os documentos pretendidos, impossível o retorno ao status quo ante, na eventualidade de revogação da tutela concedida em virtude da ausência de propositura da ação principal (aplicação subsidiária do art. 303, § 2º, CPC). Vale salientar, a irreversibilidade não diz respeito ao pronunciamento judicial, mas sim aos efeitos práticos gerados por ele. Assim, sendo impossível o retorno à situação fática anterior, descabível o deferimento do pedido por expressa vedação legal (art. 300, § 3º, CPC). Ante o exposto, indefiro a petição inicial e extingo o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, I, CPC. Custas complementares pelo autor. Sem honorários advocatícios, à míngua de triangularização da relação processual. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”, finalizou o juízo singular federal. (Jornalista Ronan Almeida de Araújo – DRT-RO 431-98).