Wagney Gomes da Silva é servidor público do Município de Costa Marques, lotado no hospital da cidade. No início do mandato do prefeito Vagner Miranda da Silva, conhecido popularmente como “Mirandão”, o funcionário era presidente de um sindicato em defesa dos direitos dos servidores da prefeitura, porém por decisão judicial, o órgão de representação classista foi extinto porque não tinha autorização do Ministério do Trabalho. Nem por isso impediu que Wagney Gomes da Silva promovesse reuniões periódicas entre os seus pares para cobrar melhores condições de trabalho ao funcionalismo municipal de Costa Marques.
Passados alguns anos, o ex-presidente do sindicato se aliou ao prefeito Mirandão e começou a fazer divulgação do chefe do poder executivo nas redes sociais das “grandes obras em favor do povo daquele município”, principalmente em relação à área da saúde. Quando era contrário a Mirandão, o servidor público entrou com uma ação de reparação de danos morais em face do Município de Costa Marques, da qual se tornou vitorioso no processo, decidido pela juíza Maxulene de Sousa Freitas, em 2018, quando era titular da comarca.
Na Turma Recursal do TJ/RO, o relator é o juiz José Augusto Alves Martins, que assim se manifestou a respeito do caso: “Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso. Sem custas, por se tratar de Fazenda Pública Municipal. Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95. Após o trânsito em julgado, remeta-se à origem. É como voto. Ementa: Recurso inominado. Responsabilidade civil. Ofensas proferidas por Diretor de Hospital no exercício da função. Dano moral. Configurado. Razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. O direito brasileiro adotou a teoria do risco administrativo que, para efeito de indenização por responsabilidade civil exige a comprovação da conduta do agente, o nexo de causalidade e o dano experimentado pela vítima, ex vi do art. 37, §6o, CF/88. Caracteriza dano moral passível de indenização ofensas verbais irrogadas por Diretor do Hospital a Técnico de Enfermagem que labora no mesmo ambiente de trabalho. Demonstrada a quebra da urbanidade por servidor público com ofensas proferidas na presença de outras pessoas, latente é o dever de indenizar. A indenização por danos morais deve atender aos postulados da proporcionalidade e razoabilidade. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e de acordo com gravação em áudio da sessão, em recurso conhecido e não provido a unanimidade, nos termos do voto do relator”.
“Trata-se de ação de indenização, buscando o autor ressarcimento por danos morais provocados pela conduta supostamente abusiva da ré. Depreende-se dos autos que o autor vem a juízo alegando ter sido ofendido pelas palavras proferidas por agente da requerida no exercício da função. Afirma que no dia 19/11/2017 após realizar postagens em dois grupos de WhatsApp integrados por servidores da área de saúde desta Comarca, comunicando a inexistência de luvas para procedimento no Pronto Socorro, posto de enfermagem e na sala de parto, foi afastado verbalmente de suas funções, sob a alegação de que ao publicar as postagens teria cometido infração passível de demissão. Aduz que no dia 20/11/2017 o diretor do hospital disse em público que “as postagens do autor eram mentirosas” e “que o autor deveria buscar se preocupar em fazer seu serviço direito e não querer fazer serviço de diretor da unidade”. Narra ainda que na data de 06/12/2017, sofreu constrangimento por parte do chefe de enfermagem, o qual tomou o livro de ocorrência de atendimento das suas mãos na presença de pacientes da recepção do Pronto Socorro, sob o argumento de que já estaria sendo instaurado um PAD contra o autor. Após a humilhação pública, o chefe de enfermagem chamou o requerente na direção do hospital a fim de lhe entregar uma notificação formal de que este estaria afastado de suas atividades laborais até o fim de um processo administrativo que seria instaurado, advertindo-o de que não deveria transitar naquela unidade de saúde. Afirma que após mais de 40 dias de afastamento e sem informações do processo administrativo, formalizou uma reclamação junto ao Ministério Público.
Então, na data de 11/01/2018 o Requerido criou uma comissão para apuração da sua responsabilidade. Realizadas oitivas, o PAD foi arquivado. Na data de 02/05/2018 o requerente pleiteou sua reintegração junto à Secretaria de Saúde já que estava afastado há mais de 5 (cinco) meses. No dia 08/05/2018 foi notificado a se apresentar junto a UBS Antônio Carvalho e Silva e só voltou para sua função de origem em junho de 2018 por força de decisão judicial proferia em Mandado de Segurança. Sustenta que os abusos cometidos pelo Município de Costa Marques em seu desfavor lhe geraram problemas de saúde como picos de pressão, arritmia e necessidade de fazer uso de medicação controlada para ansiedade. A requerida, em contestação, limitou-se a sustentar ausência de prejuízo moral já que o Poder Público Municipal agiu nos limites do poder administrativo disciplinar. Havendo notícia de irregularidade cometida por servidor no exercício de sua função a imediata instauração de inquérito administrativo destinado a apurar os fatos e aplicar a punição cabível é um dever do administrador.
Durante todo o trâmite do processo administrativo foi garantido o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Argumenta que não há que se falar em condenação do Município por danos morais pelos fatos narrados, visto que enquanto tramitava o PAD o requerente esteve afastado de suas funções, contudo, sem prejuízo financeiro, já que percebeu sua remuneração integral. Requer a improcedência do pedido inicial. Destarte, o requerido não negou a prática dos fatos narrados na inicial, apenas procurou se “justificar” alegando: a) ter agido nos estritos limites da legalidade e no exercício do dever que lhe é imposto pelo Poder Disciplinar; b) ausência de prejuízo financeiro visto que o requerente, mesmo afastado de suas funções, percebeu sua remuneração integral durante o trâmite do processo administrativo. Nos termos do art. 341 do CPC, na contestação, “incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas (…)”. Em que pesem os argumentos delineados em contestação no sentido da legalidade de instauração do pedido e de seu trâmite regular, em observância ao devido processo legal e ao contraditório, como também a ausência de prejuízo financeiro, tais circunstâncias não justificam a conduta descrita na inicial como ofensiva aos bens extrapatrimoniais do autor. Conforme narra na inicial, o autor se sentiu ofendido com as palavras proferidas pelo diretor da unidade de saúde (agindo no exercício das funções de agente público do Município) que, em público, disse que o Requerente estava mentindo ao comunicar a inexistência de luvas para procedimento no Pronto Socorro, posto de enfermagem e na sala de parto.
No decorrer da instrução processual restou demonstrada a veracidade das alegações já que da análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas, depreende-se que, de fato, faltava luva para a equipe de enfermagem trabalhar e, mesmo tendo o requerente solicitado o material imprescindível, o Diretor da unidade de saúde se dirigiu ao Hospital e manifestou na presença de todos os servidores que Wagney “estava mentindo, e que ele deveria se preocupar em realizar o seu serviço direito”. Os fatos foram confirmados por meio do depoimento das testemunhas Luzia Souza da Silva (auxiliar de serviços gerais), Livanete Santiago Soliz e Adélia Felix Gomes (enfermeiras) as quais atuavam no plantão, no dia dos fatos, juntamente com o Requerente. Afirmaram que existia apenas um par de luvas para toda a equipe de plantão e que, no momento em que o Diretor chegou ao Hospital, na presença dos demais servidores, disse ao Requerente que este estava mentido e que ele deveria se preocupar em realizar o seu serviço e não do de diretor. (mídia audiovisual anexa aos autos). A testemunha Harrison Galdino Farias, o Diretor do Hospital, não negou a prática dos fatos. Apenas se justificou dizendo que, existia três pares de luvas e que o requerente sofreu o processo administrativo em razão deste fato, como também de outros de mesma natureza (mídia audiovisual anexa aos autos). É cediço que o exercício das atividades na área de saúde requer o mínimo de condições de trabalho para segurança dos profissionais, bem como dos usuários. O uso de luvas de procedimento configura como material imprescindível à execução do atendimento ao paciente. Também é de conhecimento público e notório que para cada paciente deve ser uma luva, a qual deve ser descartada após o atendimento. Sendo assim, considerando a demanda de trabalho, bem como a quantidade de agentes de saúde em plantão, ainda que tivesse três luvas no local de trabalho, tal número seria insuficiente para o desenvolvimento regular do trabalho.
O requerente, como técnico de enfermagem, é responsável pelo desempenho de seu papel de maneira íntegra de acordo com as regras mínimas de saúde. Solicitar o abastecimento de material básico necessário ao exercício do trabalho é seu dever. Aliás, a administração deveria se organizar para que não faltasse materiais imprescindíveis ao atendimento na área de saúde, sem necessitar o servidor solicitar. No entanto, após solicitar o abastecimento do material, além de ouvir do Diretor, publicamente, que a afirmação de que não existia luvas era mentira, o Requerente sofrera um processo administrativo disciplinar. Não bastasse, após o longo trâmite do processo administrativo que, somente teve sua conclusão após a intervenção do Ministério Público, foi necessário o requerente pleitear sua reintegração junto à Secretaria de Saúde já que estava afastado há mais de 5 (cinco) meses. Contudo, foi notificado a se apresentar junto a UBS Antônio Carvalho e Silva e só voltou para sua função de origem em junho de 2018 por força de decisão judicial proferida em Mandado de Segurança. Sem dúvida, restou configurada lesão aos direitos da personalidade, especialmente no que tange à honra e à moral do requerente, caracterizando a responsabilidade civil decorrente do dano moral. O fundamento aplicável ao caso concreto é o da responsabilidade civil objetiva que encontra regramento na Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, a saber: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Sobre o tema “responsabilidade civil”, leciona a doutrina brasileira: “Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, negligência ou imperícia; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, sendo que pela Súmula 37do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. ” (Maria Helena Diniz, in Código Civil Anotado, 6ª Edição, Editora Saraiva, págs. 169/170). E mais: “Fundamento da responsabilidade civil. A responsabilidade civil se assenta na conduta do agente (responsabilidade subjetiva) ou no fato da coisa ou no risco da atividade (responsabilidade objetiva). Na responsabilidade objetiva o sistema fixa o dever de indenizar independentemente da culpa ou dolo do agente. Na responsabilidade subjetiva há o dever de indenizar quando se demonstra o dolo ou a culpa do agente, pelo fato causador do dano”. (Nelson Nery Júnior e Rosa M. de Andrade Ney, Código Civil Anotado, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, pág. 186). Desta forma, no que tange ao dano, por ser simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio, não há como ser provado. Ele existe pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante para justificar a indenização. Sob esse aspecto, porque o gravame no plano moral não se indeniza, mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que, a rigor, não existe no plano material. O fundamento da sua reparabilidade está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se à ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos.
O art. 5º, n. X, da CF/88 dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo. O CC/2002, também incluiu o dano moral como ato ilícito, ao dispor no art. 186 que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (grifei). A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, a ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. O dano sofrido pelo requerente tem reparabilidade na vigente legislação pátria, expressamente mencionada no artigo 5º, inciso X, da Constituição da República promulgada em 1988 e 186 do CC/2002, devendo ser acato o pedido inserto na inicial. Nesse sentido: Ementa: Apelação cível. Responsabilidade civil. Indenização. Injúria. Difamação. Configurada ilicitude. Violação aos direitos de personalidade. Art. 5º, X, CF. Dano moral. Ocorrência. Dever de indenizar. Dano in re ipsa. Manutenção do quantum indenizatório. Á unanimidade, negaram provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70027474014, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 26/08/2010).
Embasando a reparação do dano pelo pedido do requerente e pelas condições da requerida, arbitro a indenização do dano em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), entendendo ser este valor suficiente para amenizar os danos causados e reprimir os atos da requerida. III – Dispositivo pelo exposto, e por tudo mais que dos autos constam, julgo procedente o pedido formulado na inicial, condenando a requerida a pagar ao autor, a título de danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com aplicação de juros legais simples e correção monetária a partir da data de publicação desta sentença. A correção monetária será aplicada de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E (ADIs 4.357 e 4.425). Quanto aos juros moratórios, deverão incidir segundo os índices de variação mensal estabelecida na caderneta de poupança – TR (art. 1º – F da Lei n. 9494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/09). Deixo de condenar o Requerido ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de sucumbência, em razão do disposto no caput do art. 55, caput, da Lei n. 9.099/95 c/c art. 27 da Lei n. 12.153/09. Sentença não sujeita a reexame necessário, conforme preceitua o artigo 11 da Lei n. 12.153/09. A parte Requerente foi intimada da sentença em juízo, conforme documento anexo. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Após o trânsito em julgado, procedidas as baixas, anotações e comunicações necessárias, arquivem-se os autos”.
FINAL DA HISTÓRIA
O final da história é que o contribuinte (povo) de Costa Marques que irá pagar a indenização que será recebida por um servidor público municipal, que início do mandato do prefeito Mirandão agia na oposição, porém com o passar do tempo, tornou-se fiel escudeiro e cabo eleitoral predileto do chefe do poder executivo municipal, que como pessoa física, não desembolsará nada de dinheiro para indenizar o seu “grande” ajudante no processo eleitoral em Costa Marques, realizado no dia 15/11/2020.