Quinta-feira, 02 de maio de 2024



MPE/RO pede a condenação de Cornélio Duarte, prefeito de São Miguel, por não se colocar ao lado da população no enfrentamento ao coronavirus

Felipe Magno Silva Fonsêca, promotor de justiça, pediu a condenação de Cornélio Duarte de Carvalho, no tocante ao enfrentamento ao coronavirus no Município de São Miguel do Guaporé, na ação civil pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado de Rondônia contra Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da Silva, pela prática de atos de improbidade administrativa que afrontaram os princípios da administração pública. Diz a promotoria na peça inaugural, autuada nos autos de número 001015-29.2020.8.22.0022, que o juízo determinou a notificação do Município de São Miguel do Guaporé, bem como a dos requeridos para apresentação de defesa preliminar, afirmando o seguinte: “O ente municipal requereu o ingresso no feito como litisconsorte ativo. Os demandados foram devidamente notificados, nos moldes do que lhes garante o art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, e apresentaram a defesa preliminar. Estado assim, vieram os autos ao Ministério Público para se manifestar sobre a defesa apresentada. O Município de São Miguel do Guaporé requereu o ingresso no feito como litisconsorte ativo. Pois bem. Não há impedimento para que o Ente Municipal integre a lide, tendo em conta que, na inicial, já foi requerida a sua citação para tal fim, caso entendesse necessário, conforme previsto no art. 17, § 3º, da Lei nº. 8.429/1992. (…). Neste momento, no que pertine às razões de mérito apresentadas pelos demandados, o Ministério Público remete aos argumentos já lançados na petição inicial, tendo em mira que a discussão de mérito, por ser de caráter material, não deve ser levada a efeito neste momento processual. (…).

Diante do exposto, o Ministério Público do Estado de Rondônia não se opõe ao pedido de ingresso do Município de São Miguel do Guaporé como litisconsorte ativo na presente demanda, nos termos do art. 17, § 3º, da Lei nº. 8.429/1992. Ainda, requer o não acolhimento das alegações suscitadas pelos demandados Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da Silva, pugnando pelo recebimento da presente ação civil pública, eis que já oportunizado o que garante o artigo 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, determinando-se, assim, a citação destes para, querendo, apresentarem contestação”, assegurou o representante da justiça pública na comarca. Em outra parte da petição inicial, o MPE/RO alega que “deixando de lado o interesse coletivo na prevenção da Covid-19, para desfrutar de lazer pessoal, pondo em risco a saúde de toda a população são miguelense. Não se olvida, a propósito, que eventos como o ora denunciado foram exatamente a causa da grande e acelerada propagação do coronavírus na capital do Estado, consoante é de conhecimento público, eis que noticiado à exaustão por diversos veículos de imprensa nacionais e estaduais (…).

Não obstante todo esse panorama fático seja de conhecimento público e notório, chegou à apreciação do Ministério Público, na data de 22/04/2020, através de uma postagem feita em rede social (Facebook), a notícia de que pessoas de São Miguel do Guaporé/RO teriam realizado uma festa particular em total desrespeito às normas sanitárias estabelecidas para o combate à disseminação da Covid-19. A postagem feita pelo perfil intitulado “De olho em São Miguel do Guaporé” foi ilustrada com uma foto na qual é possível visualizar o prefeito municipal Cornélio Duarte de Carvalho, e o secretário municipal de Esportes, Anderson Luiz da Silva, ora demandados, em meio a diversas outras pessoas, todas sem máscaras ou qualquer equipamento de proteção individual, em uma aparente festa, com consumo de bebidas e aglomeração de pessoas.

O perfil utilizou-se da legenda “Decreto de isolamento e quarentena pra vocês… Festinha aglomerada para mim…”, em uma clara alusão irônica à postura do agente político municipal, responsável pela subscrição de Decretos que restringiram diversas liberdades individuais dos munícipes sob o pretexto de proteção da saúde pública. Para apuração dos fatos, sobretudo diante da possibilidade de caracterização do crime do art. 268, do Código Penal (infração de medida sanitária preventiva), foi instaurada no âmbito desta Promotoria de Justiça a Notícia de Fato Criminal nº 20200010006965, cuja cópia instrui a presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Para além de outras providências instrutórias, foi requisitada a verificação preliminar de informações por parte da Delegacia de Polícia Civil desta Comarca, com vistas à confirmação da materialidade dos fatos e à identificação dos seus possíveis autores. Em cumprimento à requisição Ministerial, o Núcleo Integrado de Inteligência (NII) da Delegacia de Polícia Civil de São Miguel do Guaporé/RO procedeu à confecção do relatório preliminar do qual é possível extrair que o evento festivo efetivamente ocorreu no dia 21/04/2020, em uma residência situada na rua Valdemar Coelho, nesta urbe, e contou com a participação de diversas pessoas, dentre elas o prefeito e o secretário municipal de Esportes.

Em síntese, apurou-se que a festa se tratou de um churrasco em comemoração ao aniversário da pessoa de Anderson Luiz da Silva, popularmente conhecido como “Argentino”, atual secretário de Esportes do Município de São Miguel do Guaporé. Do evento participaram ao menos 10 (dez) pessoas, todas devidamente identificadas pelo núcleo de inteligência da Polícia Civil. Ato contínuo à identificação dos envolvidos, foram eles convocados para oitiva perante o delegado de polícia civil, tendo sido inquiridas as pessoas de Anderson Luiz da Silva, Eliton Joabe de Lima, Vagner Reis Tenório, Vagner Ambrósio de Azevedo, Clemilson Galdino da Silva, Alex Lenzi, Alessandra Nunes dos Santos, Paulo Cezar Garrido de Lima e Leonardo Pessoa de Lima. Todos os depoentes, sem exceção, confirmaram a ocorrência da festa, indicaram quais foram os participantes e, ainda, declararam a presença do prefeito e do secretário municipal de Esportes de São Miguel do Guaporé no evento.

Confiram-se, à guiza ilustrativa e para que não restem dúvidas, os seguintes trechos de alguns dos depoimentos colhidos em sede policial: “(…) QUE sobre os fatos, eles são verdadeiros; QUE no dia 21/04/2020 passou na casa do Guigui e ele chamou o depoente para ir na casa do Wagner Reis; QUE quando chegou lá só tinha o depoente, o Guigui e o Wagner Reis, depois disso chegou o Clemilson, o Prefeito e mais outras pessoas, mas não lembra a ordem; QUE mostrada a foto publicada no Facebook, o interrogado reconhece o Prefeito Cornélio, o Clemilson, o Guigui, o Anderson (argentino), o Wagner Reis; QUE o restante só conhece de vista; QUE também tinha um casal, um rapaz branco e alto e uma mulher morena, depois ouviu dizer e esse casal era o PM Garrido e a esposa dele; QUE não sabe dizer quem tirou a foto; QUE acredita que o Prefeito tenha ficado no local uns 30 minutos; QUE o prefeito foi municipal não foi inquirido pela Delegacia de Polícia Civil, haja vista que, na seara criminal, o referido agente político goza de foro privilegiado por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, razão pela qual os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público estadual para que adote as providências que entender pertinentes quanto à esfera de responsabilização penal.

Depoimento de Alex Lenzi: “QUE sobre os fatos tem a esclarecer que são verdadeiros; QUE no dia 21/04/2020 o esposo da depoente, Paulo Cesar Garrido de Lima, recebeu um telefonema do Guigui convidando para ir comer uma costela; QUE foram até o local, que sabe ser a casa da professora Marlene; QUE quando chegou lá viu que tinha algumas pessoas; QUE depois que a depoente e o esposo estavam na festa, chegou o Anderson e o Prefeito Cornélio; QUE o prefeito ficou uns 10 a 15 minutos; QUE foi embora depois do prefeito; QUE quando estava no local estava conversando pelo bate papo do Instagram com a Beatriz e ela perguntou o que a depoente estava fazendo, então mandou uma foto e ela tirou um “print” da foto; QUE é a foto que foi postada no Facebook; (…) QUE acredita que na hora que tirou a foto devia ter umas 10 pessoas no local; (…)” (Depoimento de Alessandra Nunes dos Santos, do procedimento ministerial). “(…) QUE sobre os fatos tem a esclarecer que realmente esteve presente na festa.

Que aparece na fotografia mostrada pela autoridade policial, sendo a pessoa sentada com short e camisa cinza e um boné na cabeça; QUE a festa ocorreu no dia 21/04/2020, às 20 horas; QUE a festa foi na casa da professora Marlene; QUE era uma festa surpresa para o Anderson, pois era aniversário dele; QUE estava presente na festa quando o depoente chegou o Wagner; QUE quando o depoente chegou, também chegou o Clemilson, o Guigui, o irmão do Guigui, depois o depoente ligou para o Anderson; QUE não sabe quem ligou para o prefeito, mas depois que o Anderson chegou, o prefeito também chegou; (…)” (Depoimento de Eliton Joabe de Lima, à fl. 13, do procedimento ministerial) “(…) QUE é formado em Medicina; QUE sobre os fatos tem a esclarecer que realmente estava na foto que lhe foi mostrada; QUE é a pessoa de short e camiseta de três cores (preta, cinza e branca); QUE acredita que esta foto foi tirada no dia 21/04/2020, dia do seu aniversário; QUE esclarece que no dia trabalhou até as 18 horas e depois foi para casa; QUE era seu aniversário e os pais fizeram um pequeno bolo de aniversário; QUE depois disso, por volta das 20 horas, recebeu uma ligação do Ueliton (filho do Joabe), que já estava no local, chamando o depoente para ir na casa da professora Marlene; QUE perguntou onde era e o Ueliton disse que pegava o mercado do Renato e desce sentido BR para baixo; QUE chegou no local e tinha uma aglomeração de pessoas e disseram que era para o aniversário do interrogando, e começaram a cantar parabéns; QUE não sabe a quantidade de pessoas que estava no local, mas era mais de cinco (…)”.

Depoimento de Anderson Luiz da Silva. Como se percebe, malgrado a tentativa frustrada de alguns depoentes e correligionários do Prefeito em isentá-lo de responsabilidade ou de atenuar a gravidade da sua conduta, já é possível extrair dos elementos de prova até aqui referidos, de forma inequívoca, a ocorrência da festa privada nesta urbe e, de igual forma, a participação dos agentes públicos demandados neste feito, em total afronta às normas sanitárias vigentes para o combate à propagação da Covid-19, inclusive às normas veiculadas em Decreto Municipal subscrito pelo próprio Prefeito Cornélio Duarte de Carvalho, de quem se esperava, mais do que dos demais cidadãos são miguelenses, o devido respeito e acatamento. Consoante demonstraremos com melhor clareza nos tópicos seguintes, as condutas dos demandados Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da Silva, o primeiro na condição de chefe máximo do poder executivo municipal e o segundo como integrante do primeiro escalão da administração local como secretário municipal, implicaram evidente violação a toda sorte de princípios reitores da administração pública, especialmente aos da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência. Além disso, feriram de morte a credibilidade e respeitabilidade de que deve gozar o Poder Público, notadamente em um cenário de abrupta restrição das liberdades individuais, de modo que, mais do que nunca, a postura dos atores públicos deve servir de norte seguro para a população. Não se pode descuidar de “que o prestígio da Administração Pública ante os administrados supõe a honra institucional, a boa fama, a reputação e o patrimônio moral das entidades públicas, os quais devem ser respeitados como cânones pelos agentes Nesse prisma, infringidos tais parâmetros por dois dos principais agentes políticos em âmbito Municipal, outro caminho não resta, se não o reconhecimento de que atuaram de forma ímproba e, por consequência, merecem a imposição das pertinentes sanções legais”, frisou.

No final do pedido, o promotor público na comarca de São Miguel do Guaporé, no tocante às ilicitudes praticadas pelo agente público e pelo prefeito do município, alega o seguinte: “Buscando evitar maiores divagações, destaca-se, de plano, que a presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa busca, precisamente, a responsabilização de Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da silva pela prática de atos de violação aos princípios reitores da administração pública, na forma do art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92. Sabe-se que a Lei de Improbidade Administrativa prescreve, já em seu art. 4º, que os agentes públicos “são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”. (…). De tal sorte, como a ética e o respeito devem presidir as relações entre o prefeito, o secretário municipal e os cidadãos civis, em toda a atividade exercida por eles, revela-se repulsivo o abuso da condição de agentes políticos para sobrepujar a ética e os preceitos legais de ordem cogente para todos os membros da sociedade. Não há dúvidas de que, ao reunirem-se em evento festivo privado, com evidente aglomeração de pessoas e sem a adoção mínima de cautelas para evitar o contágio pelo novo coronavírus (isso tudo em plena vigência das regras restritivas de liberdade impostas aos cidadãos são miguelenses), os demandados Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da Silva desnudaram-se da moral e da ética que deveriam guiar suas condutas como cidadãos comuns e, especialmente, como agentes públicos ocupantes do mais alto escalão administrativo municipal. (…).

Ante o exposto, o Ministério Público do Estado de Rondônia requer a vossa excelência o que segue: a) Seja expedida notificação prévia aos demandados Cornélio Duarte de Carvalho e Anderson Luiz da Silva para que, querendo, ofereçam manifestação por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, podendo juntar documentos e apresentar justificativas; b) Em seguida, apresentada ou não a defesa preliminar, pugna-se pelo recebimento da presente peça inaugural, determinando-se a citação dos demandados para, querendo, apresentarem contestação; c) Pugna-se, outrossim, pela citação do Município de São Miguel do Guaporé, na pessoa de seu procurador jurídico, para, querendo, integrar a lide como litisconsorte ativo, conforme previsto no art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/1992; d) Ao final, requer-se seja julgada procedente a pretensão autoral veiculada nesta ação civil pública, para condenar os demandados Cornélio Duarte de Carvalho e Andersom Luiz da Silva pela violação ao disposto no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/1992, ante a prática de ato de improbidade administrativa que afrontou Princípios da Administração Pública, aplicando-lhes as sanções previstas no art. 12, inciso III, também da Lei nº 8.429/1992, especialmente (i) a perda da função pública, (ii) a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, (iii) o pagamento de multa civil, em valor não inferior a cinco vezes o valor da remuneração percebida pelos agentes, e (iv) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Pugna-se, outrossim, pela dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e advocatícios e outras despesas e, em caso de procedência, pela condenação dos demandados ao pagamento das custas e demais despesas processuais. Desde logo, em atenção ao disposto no art. 319, inciso VII, do Código de Processo Civil, e ao contido no art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/92 (com redação dada pela Lei nº 13.964/2019), o Ministério Público do Estado de Rondônia manifesta o desinteresse na realização de audiência conciliatória, bem como na oferta de acordo de não persecução cível, ante a incompatibilidade da conduta dos demandados, enquanto Prefeito e Secretário Municipal, com a fruição do benefício. Protesta-se provar os fatos aqui alegados por todos os meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico, a serem especificados em momento oportuno. Dá-se à causa, o valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), correspondente a 05 (cinco) vezes o valor da remuneração mensal do Prefeito Municipal de São Miguel do Guaporé/RO, na data da propositura desta ação civil pública”, finalizou a justiça pública. (A redação do site).

 

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