Sábado, 27 de abril de 2024



Quase 90% dos brasileiros tomam remédios sem prescrição médica

Uma dorzinha de cabeça que aparece sem avisar, uma noite maldormida que causa dor no corpo ou os vários sintomas que acompanham o estado gripal. Não faltam motivos para recorrer a remédios que não precisam de prescrição médica. Mas, embora as receitas não sejam sempre obrigatórias durante a compra de vários medicamentos, tomá-los sem consultar um profissional pode colocar a saúde em risco.

Segundo a farmacêutica Paula Molari Abdo, os principais riscos da automedicação estão relacionados ao uso indevido dos fármacos. “A pessoa pode ter uma intoxicação com aquela substância, em alguns casos pode acabar tendo sequelas permanentes”, adverte a profissional, que também é especialista em atenção farmacêutica pela Universidade de São Paulo e também em manipulação magistral pela Anfarmag (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais).

As intoxicações medicamentosas, inclusive, são mais comuns do que se possa imaginar. Segundo o estudo publicado em 2020 na revista “Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento”, foram registrados 565.271 casos de intoxicação no Brasil entre os anos de 2010 e 2017. Mais da metade desses registros – 298.976 – tiveram o medicamento como agente tóxico mais frequente.

A intoxicação pode se tornar ainda mais grave em casos específicos. Segundo Paula Molari, pessoas que são sensíveis às substâncias podem desenvolver problemas hepáticos, problemas no fígado e também nos rins. “Há uma sobrecarga desses órgãos quando esses remédios são utilizados”, pontua a farmacêutica.

O uso indiscriminado de fármacos pode atrapalhar, inclusive, a sua efetividade. A especialista exemplifica a situação com o uso de analgésicos – o número 1 entre os remédios mais utilizados sem prescrição pelos brasileiros, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ). “Se uma pessoa toma esse medicamento durante muito tempo, ela pode desenvolver uma tolerância. Então, depois de um período, ela vai precisar de doses ainda maiores. Há casos que ele também deixa de fazer efeito para ela”, explica.

Tomar remédios por conta própria é um problema mundial
A automedicação é uma questão tão séria que já se tornou um problema de saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O órgão internacional calcula que metade de todos os pacientes do mundo utilizam medicamentos de forma incorreta e sem receita médica. No Brasil, o cenário é ainda mais assustador.

De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em parceria com o Datafolha, quase 90% dos brasileiros com mais de 16 anos fazem uso de substâncias medicamentosas sem qualquer orientação ou prescrição médica. Entre os mais jovens, na faixa de 16% a 34%, a porcentagem consegue ainda ser maior: 95% consomem remédios sem consultar um profissional de saúde.

Para a farmacêutica, a recorrência dessa atitude vem de um imediatismo: “A gente não tem tempo para nada, às vezes o acesso a um serviço de saúde é difícil. Pode-se perder um dia de trabalho em busca de atendimento. Acredito que essa questão da rapidez faz com que as pessoas procurem uma solução mais fácil”.

É justamente pela velocidade e pela praticidade que a museóloga Maíla Ambrósio, de 26 anos, mantém uma espécie de farmácia na bolsa. “Sou uma pessoa que mora sozinha e que sempre acha que está tendo algo, mesmo não tendo. Então prefiro ter os remédios a precisar e sentir dor”, explica. Entre os medicamentos levados consigo estão analgésicos, pomadas e relaxantes musculares.

O tempo gasto para buscar por atendimento médico também é utilizado pela museóloga para justificar a decisão de se automedicar. “Se eu for a um hospital, vou ter que esperar muito, e muitas vezes o problema não é tão grave”, pontua. Para exemplificar a questão, ela cita o exemplo da cólica menstrual. “Sempre estou com um remédio para esse tipo de dor, porque não posso parar a minha vida por causa dela. E não posso correr para um pronto-socorro e justificar que estou com cólicas, porque nunca vou ser atendida”, diz.

Analgésicos são os mais utilizados sem prescrição
De acordo com a Pesquisa de Automedicação (2022), feita pelo ICTQ, os analgésicos são os medicamentos mais utilizados por conta própria no Brasil. A automedicação com este tipo de substância representa 64% dos casos de fármacos utilizados sem prescrição no país.

Mas há também quem busque orientação para ingerir esse tipo de medicamento. A garçonete Michele da Silva, de 33 anos, garante que não toma remédios sem antes procurar um médico. “É perigoso tomar sem receita”, justifica.

Apesar disso, ela conta que mantém analgésicos sempre à disposição, levando-os consigo para o trabalho. “Umas duas, três vezes na semana, eu tomo (os analgésicos), porque o serviço é muito tenso. Às vezes, a gente sente muita dor no corpo”, justifica.

Sintomas de gripe e dores pelo corpo também motivam a automedicação. Segundo o estudo feito pelo ICTQ, os antigripais e os relaxantes musculares completam a lista dos três tipos de medicamentos mais utilizados sem receita no país, representando 47% e 35% dos casos de automedicação, respectivamente.

Ansiedade, estresse e insônia também motivam a busca de remédios por conta própria. Cerca de 6% da população utiliza medicamentos para esses sintomas sem buscar um especialista.

Procurar um profissional da saúde é a melhor escolha
Embora a automedicação se torne cada vez mais comum no Brasil – há oito anos, segundo o ICTQ, 76% da população utilizava fármacos sem prescrição médica –, a farmacêutica Paula Molari reforça a importância de se buscar por um profissional. “Um especialista da saúde vai ouvir o que você está sentindo, identificar a patologia e passar a orientação”, destaca.

Em tempos tão corridos, pacientes podem procurar também farmacêuticos para orientação. “Ele pode estar um pouquinho mais à mão, em uma drogaria, e é um profissional muito qualificado para orientar sobre medicamentos. Então, a pessoa pode mandar chamá-lo, já que ele nem sempre estará em um balcão”, aconselha.


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