Domingo, 05 de maio de 2024



TJ/RO devolve a Marcelo Duarte, preso na Operação Móbilis, cargo de presidente do CETRAN, exonerado pelo governador Marcos Rocha

Marialva Henriques Daldegan Bueno, desembargadora e relatora dos autos de número 0802849-59.2019.8.22.0000, impetrado por Marcelo Victor Duarte Correa, em face do governador do Estado de Rondônia, Marcos Rocha, voltará a exercer o seu cargo de presidente do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN). Diz a relatora, em seu relatório, do remédio constitucional, o seguinte: “Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Marcelo Victor Duarte Correa em face do Governador do Estado de Rondônia, que por meio do Decreto Estadual nº 24.123, de 28 de março de 2019, excluiu o impetrante da função de membro do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) antes do término do mandato.

Em síntese, o impetrante afirma que é servidor público estadual, vindo a ser nomeado como presidente do CETRAN/RO, com mandato de dois anos, através do Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018, prevendo-se o término desse mister no dia 01/11/2020. Contudo, informa que foi exonerado do cargo em 1º de agosto de 2019 por meio do Decreto Estadual n. 24.123/2019, salientando que a exoneração caracteriza abuso, pois viola direito líquido e certo e desrespeita o Regimento Interno da CETRAN/RO, a Resolução n. 688/2017 do CONTRAN e o Código de Trânsito Brasileiro. Ao final, pede o deferimento de medida liminar para suspender os efeitos do Decreto Estadual n. 24.123, de 1º de agosto de 2019, e, no mérito, a concessão da segurança para anular esse ato normativo. O pedido de liminar foi indeferido.

O Estado de Rondônia manifestou-se nos autos, sustentando não haver qualquer ilegalidade na exclusão do impetrante da composição do CETRAN/RO, aduzindo, em resumo, que por meio do Decreto Estadual n. 23.774/2019 estabeleceu-se nova composição do órgão de trânsito, suprimindo o quantitativo de membros que havia sido criado pelo Decreto Estadual n. 23.279/2018, ensejando, por consequência, a exclusão do impetrante de sua posição no CETRAN.
Esclareceu que essa medida foi necessária, porque o anterior Decreto Estadual n. 23.279/2018 havia elevado de 11 (onze) para 15 (quinze) o número de membros na composição do CETRAN, o que implicou acréscimo de despesa não precedido da verificação de impacto orçamentário e financeiro, visto que o ato aumentador de despesa foi editado no último quadrimestre do mandato do anterior governante, que se encerrou em 31/12/2018.

Por sua vez, a autoridade impetrada (Governador do Estado) prestou informações sustentando a legalidade do ato coator, salientando que o anterior Decreto Estadual 23.279/2018 é nulo de pleno direito, e, portanto, diante do poder-dever que tem a Administração de rever seus próprios atos, não há qualquer abusividade na prática do ato ora combatido. O Ministério Público manifestou-se através do parecer emitido pelo Procurador-Geral de Justiça, Dr. Aluildo de Oliveira Leite, pelo conhecimento e concessão da segurança É o relatório”. Em seu voto, a desembargador registrou o que segue: “A impetração interposta por Marcelo Victor Duarte Correa visa a correção do ato dito ilegal, atribuído ao Governador do Estado, que por meio do Decreto Estadual nº 24.123, de 28 de março de 2019, o excluiu o da função de membro do Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN antes do término do mandato estabelecido no Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018.

Como mencionado pelo subscritor do parecer da Procuradoria de Justiça, é cediço que o Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN integra o Sistema Nacional de Trânsito, como órgão normativo e consultivo, incumbindo-lhe a coordenação do sistema nos Estados, estando à ele vinculado a última instância administrativa de apreciação de recursos administrativos contra decisões das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI, dentre outras atribuições (art. 7º, II e art. 14, V, do CTB). Trata-se de órgão hierarquicamente sujeito ao Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, a quem incumbe estabelecer diretrizes de funcionamento, que irão nortear, inclusive o regimento interno (CTB, art. 12, V). Sua competência está prevista no art. 14 do CTB. Com efeito, para a composição do indigitado órgão estadual de trânsito, compete ao Governador nomear o presidente e seus membros para exercer mandato de dois anos, admitida a recondução (§3º do art. 15 do CTB). Nesta seara, a Resolução n.688/2017, do CONTRAN, determina que a composição dos CETRAN’s deve incluir, além do seu presidente, no mínimo 13 membros e respectivos suplentes, impondo a paridade de integrantes da esfera do Executivo estadual com órgãos ou entidades do Executivo, além dos rodoviários, da esfera municipal, integrados ao Sistema Nacional de Trânsito (ID 6667868 – págs. 1-6).

Assim, em face da imposição legal definida pelo CONTRAN que estabeleceu número mínimo de membros para composição dos Conselhos Estaduais, a teor da citada Resolução nº 688, de 15 de agosto de 2017, e da Resolução nº 732, de 10 de abril de 2018, editou-se no âmbito do Estado de Rondônia o Decreto n. 23.279, de 16 de outubro de 2018, que aprovou o Regimento Interno do CETRAN/RO, e promoveu o acréscimo de membros na composição do Conselho, de 11 (onze) para 15 (quinze) membros (capítulo II), in verbis:
“Art. 2º. O Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia – CETRAN/RO é composto pelos seguintes membros: I – 1 (um) Presidente, indicado pelo Governador do Estado; II – 1 (um) representante do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN; III – 1 (um) representante do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, Infraestrutura e Serviços Públicos – DER;
IV – 1 (um) representante do policiamento ostensivo de trânsito da Polícia Militar do Estado de Rondônia – PM/RO; V – 1 (um) representante do Órgão Executivo Municipal de Trânsito da capital do estado – município de Porto Velho;
VI – 1 (um) representante do Órgão Executivo Municipal de Trânsito do município com a segunda maior população; VII – 1 (um) representante do Órgão Executivo Municipal de Trânsito do município com a terceira maior população;
VIII – 1 (um) representante das Entidades Civis Patronais representando empresas de transportes de passageiros e cargas; IX – 1 (um) representante das Entidades Civis representando os trabalhadores em transportes de passageiros e cargas; X – 1 (um) representante de Entidade não governamental ligada à área de trânsito, legalmente constituída e em atividade comprovada há mais de 1 (um) ano; XI – 1 (um) integrante com notório saber na área de trânsito, com nível superior; XII – 1 (um) integrante especialista em medicina com conhecimento na área de trânsito; XIII – 1 (um) integrante especialista em psicologia com conhecimento na área de trânsito; XIV – 1 (um) integrante especialista em meio ambiente com conhecimento na área de trânsito; e XV – 1 (um) representante da Polícia Rodoviária Federal. (…)”.

Além disso, o citado Decreto Estadual n. 23.279/2018, contendo as medidas impostas pelas normativas do CONTRAN, dispôs sobre o cumprimento integral do mandato dos membros dos CETRAN’s, bem como previu as hipóteses de interrupção (desistência ou perda de mandato), ao estabelecer: “Art. 4º. Os membros do Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia -CETRAN/RO serão nomeados pelo Governador do Estado para um mandato de 2 (dois) anos, admitida a recondução de sua totalidade por iguais e sucessivos períodos. § 1º. O Conselheiro nomeado cumprirá seu mandato integral, salvo em caso de desistência voluntária ou nas hipóteses de perda do mandato. § 2º. Perderá automaticamente o mandato o Conselheiro que: I – faltar, sem motivo justificado, a 4 (quatro) sessões ordinárias consecutivas ou a 10 (dez) reuniões intercaladas no ano; II – tiver cassada a CNH ou suspenso o direito de dirigir; e III – tiver sentença condenatória transitada em julgado, em crime de trânsito. § 3º. Ocorrendo, por qualquer motivo, a vacância de um mandato, será nomeado novo Conselheiro para completar o período do mandato interrompido.”

Destarte, objetivando a composição do Conselho Estadual, o então Governador Daniel Pereira nomeou o impetrante Marcelo Victor Duarte Correa, através do Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018, designando-o como Presidente do Conselho Estadual de Trânsito, com mandato de dois (dois) anos. Todavia, já no exercício de 2019, o atual Governador Marcos José Rocha dos Santos (autoridade impetrada) excluiu o impetrante da função de Presidente antes do prazo bienal, através do Decreto 24.123, de 1° de agosto de 2019, sem que o interessado tenha incidido em qualquer das hipóteses de perda de mandato, contidas no art. 4º do Regimento Interno do órgão.

Além disso, sobressai dos documentos inclusos, que antes de praticar o ato ora combatido, a autoridade impetrada promoveu alteração no Regimento Interno da CETRAN através do DECRETO N. 23.774, DE 28 DE MARÇO DE 2019, revogando o art. 2º do Decreto 23.279/2018 que havia ampliado para 15 membros a composição do Conselho, e assim procedendo, retornou-se ao ‘status quo ante’ o quantitativo de cargos, porquanto, reduziu-se para 11 (onze) o número de membros que compunham aquele órgão. Todavia, não se verifica justificativa razoável para que a autoridade impetrada, a pretexto de redução de despesas, realizasse a modificação da composição do CETRAN/RO em contrariedade às normas do CONTRAN, visto que a Resolução nº 688, de 15 de agosto de 2017 determinava o número mínimo de 14 integrantes aos conselhos estaduais, aliado ainda ao fato de que, excluiu-se o impetrante do cargo de Presidente, estando ele no gozo do primeiro ano do mandato, conforme definido no Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018 e nomeou-se outro servidor em seu lugar.

Ademais, conquanto o Governador do Estado goze do necessário poder para adaptar a organização institucional e jurídica dos órgãos ligados ao Estado, não está autorizado a estruturar e organizar o Conselho Estadual ao seu livre arbítrio, por meio de decisão unilateral, já que sua legitimidade para agir deve estar calcada quando da composição desses órgãos, na lei e no interesse público e não em sua vontade própria, assim como assinalado pelo Parquet. Neste ponto, anoto que o Regimento Interno do CETRAN, em vigor, foi deliberado em Sessão do Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia, em 11 de outubro de 2018, sendo aprovado por meio do Decreto nº 23.279, de 16 de outubro de 2018.
Com efeito, o citado Regimento Interno prevê no art. 27, que as alterações do seu texto poderão ser realizadas a qualquer tempo, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros em sessão convocada para este fim, observada a aprovação por Decreto:

“Art. 27. O presente Regimento Interno poderá ser alterado a qualquer tempo por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros em sessão convocada para este fim, observada a aprovação por Decreto”. Entretanto, por meio do Decreto 23.774, de 28 de março de 2019, o Governador do Estado, unilateralmente, alterou diversos dispositivos do Regimento Interno do Conselho Estadual de Trânsito, sem que houvesse decisão do colegiado em sessão convocada para este fim. Outrossim, houve excesso no ato praticado pela autoridade coatora ao excluir o impetrante da função de Presidente do CETRAN antes do término do mandato estabelecido no Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018, tendo em vista que embora a nomeação dos integrantes do conselho, com mandato prefixado, possa ser realizado através de ato discricionário da autoridade administrativa, a demissão, por sua vez, é ato vinculado, devendo ser motivado, sendo que os motivos estão restritos às hipóteses de voluntariedade do titular ou por descumprimento de preceito normativo (art. 4º do Decreto Estadual n. 23.279/2018.

Tal restrição ocorre para conferir autonomia e liberdade para que esses agentes públicos, à semelhança do que ocorre com os membros da JARI, possam exercer seu mister com autonomia e isenção. Apesar de a nomeação ocorrer por ato da autoridade administrativa, não há embasamento legal para entender pela existência de hierarquia entre a autoridade nomeante e o nomeado, coexistindo vinculação apenas para efeitos de suporte financeiro e operacional da atividade. Como mencionando alhures, não se consumou qualquer das hipóteses taxativas de destituição do impetrante, de modo que se afigura ilegal a sua exoneração discricionária. Esse é o entendimento da Jurisprudência. Por analogia ao caso vertente, vejamos: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MEMBRO DE JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSOS E INFRAÇÕES – JARI. INVESTIDURA A TERMO. MANDATO FIXO. EXONERAÇÃO DENTRO DO PRAZO DE DOIS ANOS DO MANDATO. ILEGALIDADE. 1. É ilegal a exoneração discricionária de membro de Junta Administrativa de Recurso e Infração que funciona junto ao DETRAN-MA fora dos casos expressos no Decreto Estadual nº 20.544/2004, que conferiu aos seus membros mandato fixo de dois anos e estabeleceu hipóteses taxativas de destituição, não verificadas no caso em apreço. 2. Recurso ordinário provido em parte. (RMS 26.980/MA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 19/10/2011).

Destaque nosso. No mesmo sentido foi o entendimento proferido por este Tribunal de Justiça quanto aos membros que compõem as Juntas Administrativas de Recurso de Infrações: TJRO – MANDADO DE SEGURANÇA. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. ASSISTÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO STF. MEMBRO DE JARI. MANDATO PREFIXADO. EXONERAÇÃO AD NUTUM. IMPOSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO NECESSÁRIA. EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. ILEGALIDADE DO ATO. “Consoante reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é incabível a intervenção de terceiro na modalidade assistência em mandado de segurança. Os detentores de cargos comissionados na JARI, com mandato prefixado, não podem ser exonerados, antes do prazo, sem motivação e ampla defesa, a teor dos atos normativos que os regem.” (TJRO – MS n. 0001109-80.2011.8.22.0000, Relator Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia.

Por fim, comungo do parecer ministerial, especialmente quando pontua que a autoridade impetrada após praticar o ato inquinado, não poderia escudar-se no argumento de que o Decreto 23.279/2018 implicou acréscimo de despesa, sem a correspondente verificação de impacto orçamentário/financeiro e que teria havido infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal, porquanto, a própria LRF abre exceções em determinadas situações, dentre as quais, prevê que, excedendo o órgão os limites para gastos com pessoal, fica veda a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição (Art. 22, inciso I) – grifo nosso.

Nessa linha, considerando que a Administração deve cumprir as normas emanadas do Conselho Nacional de Trânsito – Contran, sobretudo, quando aquele órgão nacional estabeleceu que a organização dos Conselhos Estaduais de Trânsito tenha no mínimo quatorze integrantes (1 presidente e 13 membros), e, à época agindo o Administrador em observância a tal determinação legal e nos limites da excepcionalidade prevista na própria LRF (imposição legal), não se pode acoimar de irregular o Decreto n. 23.279/2018 que instituiu o Regimento Interno do CETRAN, nem o ato de nomeação do impetrante ao cargo de Presidente (Decreto Estadual n. 23.325, de 1º de novembro de 2018). Na hipótese, deve ser considerado que havia imprescindibilidade da despesa em tela, cuja obrigação o Estado não poderia deixar de cumprir. Portanto, refoge à competência da autoridade impetrada modificar ou revogar os citados Decretos por mera discricionariedade e de forma unilateral, ferindo direito líquido e certo do impetrante, cabendo, destarte, cassar o ato ora impugnado e obstar seus efeitos.

Ante o exposto, concedo a segurança, determinando a recondução do impetrante ao cargo de Presidente do CETRAN/RO, a fim de que este possa concluir seu mandato bienal, sem impedimento ou obstrução ilegal até seu término, recebendo ainda na integralidade e em dia a respectiva remuneração pelo exercício da função. Defiro ainda as benesses da gratuidade da justiça (art. 5º, LXXIV, da CF e art. 98 e seguintes do CPC), uma vez que aduziu que não se encontra em condições financeiras de suportar as despesas e custas processuais sem prejuízo do próprio sustento e dos seus familiares. É como voto”, finalizou a relatora. “A ementa do mandado se segurança ficou assim consignada: “Mandado de segurança. Servidor nomeado para compor conselho estadual de trânsito. Designação como presidente. Agente honorífico. Função com mandato prefixado. Exoneração antes do término do mandato. Ausência de falta disciplinar ou de causas interruptivas de mandato. Ofensa à direito líquido e certo caracterizado. Segurança concedida. 1.Os membros dos CETRAN’s são agentes honoríficos da administração, não se enquadrando na modalidade de servidor detentor de cargo em comissão, de modo que a eventual exoneração antes de exaurido o prazo certo de seu mandato, ressalvada a hipótese de falta disciplinar ou de causas interruptivas de mandato, reconhecida em apuratório administrativo com todas as garantias do processo legal, contraditório e ampla defesa, viola direito líquido e certo. 2 Segurança concedida. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos das notas taquigráficas, em, segurança concedida nos termos do voto da relatora, à unanimidade”. (Jornalista Ronan Almeida de Araújo – DRT-RO 431-98).


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